26.12.11

orangotango


Não consigo largar os cigarros. Caio em tentação após cada baforada. Penso na vida e eis uma verdade: nem mesmo eu consigo me levar a sério anymore. E isso faz parte dos planos de sobrevivência – sem que eu perceba? – pois já não me importo com os solavancos do destino que, por mais que se tente, não mostra as garras, e sim mar calmo, azul, pacífico. Não é por afronta ou vingança que os meus diários conspiram a favor de um insight versus tom blasé, numa mistura de códigos e suspeitas. Meu coração já não é uma arma. O tempo passa e é preciso organizar as horas, os papéis amontoados, as fotografias, separar o joio do trigo, escrever cartas, encarar o rosto no espelho, planejar viagens, cumprir as obrigações dos dias, ler, lavar os pratos, cruzar engarrafamentos, superar os traumas de infância, enxergar de perto o amor que se tornou fragmentado etc.

Imagem: Geraldine Kang

17.12.11

trevas em luz


 
Ando cada vez mais dependente de mim mesmo, o que me faz pensar que:

1) não tá fácil pra ninguém, mas se as coisas fossem fáceis, eu me contentaria com meia dúzia de bananas; 2) tô transformando trevas em luz com pencas de bicudas de pensamentos peregrinos, no caso; 3) não senti nada além de mal estar e revolta com o caso da filha da puta que matou o pobre do yorkshire – e que essa mulher seja condenada, e que as pessoas tomem consciência de que a agressão contra os animais é crime. esse caso tomou uma proporção tão grande que até foi assunto de mais uma conversa com o taxista na volta pra casa, enquanto eu segurava um conjunto de panelas teflon etc; 4) e as ideias sobre o que escrever? bom, ando pendurado nas garras da inspiração e acho bacana essa decisão de textos mais leves, cotidianos, o lance de brincar com as próprias merdas e no fim das contas soar como “literatura”; 5) cada vez mais concordo com Márcia Denser quando ela diz que as pessoas confundem profundidade com obscuridade (ou ao contrário); 6) já não estou mais disposto a responder perguntas sobre o amor ou lançar meus conselhos amorosos, pois sou a pessoa mais desorganizada emocionalmente a tratar desse assunto; 7) e não é que me livrei de um sabotagem onde eu mesmo era a maior vítima e o maior tolo ao perder o meu tempo com pensamentos destruidores sobre mais uma daquelas pessoas de merda que cruzam a nossa vida?; 8) 2012 será o ano do impenetralismo e do olhar plástico sobre as coisas que devem ser vistas, e quem sabe descartadas; 9) em plena correria ao shopping, sob um sol apocalíptico sem precedentes ou remissão dos pecados, me contentei em comprar um spray pro cabelo, uma agenda preta-básica para anotar tendências e um reparador de pontas para o meu cabelo; 10) o diferencial no decorrer da vida é uma questão de design.

Imagem: Isolde Woudstra 

11.12.11

bestiary tape selection

Resolvi selecionar algumas músicas e montar essa bestiary tape selection de vibe tranquila - como forma de encarar o ano que passou com um sorriso no rosto e aquele momento em que os planos tomam conta de nós. Acho que serve como trilha-sonora para os domingos, ou sábados de manhã, quando o dia é azul e ensolarado. E até mesmo como som ao fundo enquanto você limpa a sua geladeira.

oh, really?

Noitadas desmarcadas por n motivozinhos, sweetie. Super forçação de barra e eu em cima do muro com os meros tons de boa mocidade. Eu misturo tudo neste diarinho que é uma colcha de retalhos – meu relatório dos dias etc. 

Sábado à noite, em casa, planos no bueiro da mistureba de indecisões, pois não tenho mais idade, tempo ou psicológico pra isso. Simplificar as coisas é uma decisão sábia. Ando com aquela sensação de que as influências devem ser limitadas? Mais uma vez o lance do que é do homem o bicho não come. Vamos beber, cometer excessos, fazer loucuras e parar no momento certo. A previsibilidade das farras, da ironia, dos preconceitos adquiridos também soam como uma auto-sabotagem dos infernos. 

A ressaca de hoje foi uma fera que resolveu mostrar seu belo sorriso somente às duas da tarde. Fica o registro do “prefiro ficar” em casa.

Quando tudo está muito chato eu sento e escrevo. J. telefonou e de repente me vi dando conselhos amorosos, mas justo eu?

2.12.11

diário & co.

 
Vou transformar este espaço num diário & co. Acredite quem quiser, chegou a hora; eu: o amante dos diários. E vou misturar verdades pessoais com códigos e regras da amarelinha, enquanto novos ventos surgem e eu possa então dar início aos planos – pois não há nada mais libertador e clichê do que encarar o ano que se aproxima com táticas de sobrevivência, pois é preciso.

2011 foi a vingança que não deu certo. O ano em que amizades foram consolidadas. Perdi o controle em alguns momentos, mas tudo foi parte de um processo que ainda não chegou ao fim, pois o fim e o tempo são regras impostas por nós, homens tolos, com os corações em fragalhos. Fingimos que tudo está ok quando na verdade o que está ao nosso alcance é uma rota de fuga.

E eu fugi, me embebedei, sofri horrores, dei boas risadas e estou aqui, na sexta-feira negra, enigmática. Sexta que é um convite à dança, aos drinks, ao fuzuê dos jovenzinhos deslumbrados.

Cansado, após um dia intenso de trabalho e a notícia de que uma pessoa morreu num acidente de trânsito. Um conhecido que eu vi pela última vez há dois dias. Um rapaz jovem, bonito, calado, motoqueiro atropelado por um caminhão e que hoje está sem vida. E as pessoas morrem. E existe a morte. E por uma questão de segundo deixamos de existir, deixamos pra trás uma história que, enquanto viva, deve ser escrita, aproveitada, engolida ao máximo – somos isso até que o próximo minuto nos alcance.

Desmarquei encontro com J. por causa de amenidades, exaustão. Me convidaram para curtir o sol de sábado na praia. O sábado é o meu dia favorito da semana, no sábado tudo é azul, brilhante, nítido, é a cor da felicidade. Mas por eu não ser uma pessoa de praia, também recusei o convite de pessoas mais que queridas. Me contentarei com seus sorrisos nas fotos e seus bronzes a ofuscar minha indisposição de preguiçoso em pleno day off.

Há poucos minutos, numa conversa com J. por telefone, nos deparamos com aquele ditado-batata que é a mais pura verdade: “o que é do homem o bicho não come”.

Você está aí, eu estou aqui, cada um com a sua história, cada um com o seu pingo de sensibilidade no coração. - Por Antônio LaCarne

sexta, 12 de dezembro de 2011

23.11.11

W Magazine

Solícito, porém com as unhas esmaltadas.

Oh, quem ele poderia ser vestido de ela numa elegante roupa masculina? Teodoro Augustinho de Jesus, e suas longas pernas de homem enrugado aos quarenta, aparentando desejo ao consumir corpos de jovenzinhos saudáveis nas noites em que o medo de mais uma ilusão se edifica. Mas ser mulher e erradicar tantos pelos e músculos escondidos é tão complicado e desestimulante! Então para curar a fome, ele se imagina como o melhor amigo de Adolf Von Baeyer – o criador dos barbitúricos – e engole aos montes os comprimidos espalhados sobre a mesa.

– Hoy estoy sola! – Responde para a própria imagem diante do espelho como se desculpasse o próprio rosto desfigurado na maquiagem que despenca, sob o efeito do calor insustentável no Brasil.

Teodoro – que antes de se perceber como “ela” – havia enxergado antes te todas as crianças de sua idade, o que havia de tão volumoso entre as pernas dos homens. Desde então seu martírio criara impulso, e ele, corajoso, experimentava ávido a dor de não ter as sutilezas e as formas do corpo de uma mulher.

Aos quinze, fugira na boléia de um caminhão rumo à Big Apple: Teresina, capital do Piauí. Depois de anos de luta conseguira economizar o suficiente para comprar perucas, vestidos de costa nua – como os da Marylin – perfumes franceses originais, sandálias high heels, e um incontável número de quinquilharias capazes de salvá-lo do mundo injusto e do sexo equivocado que Deus ousara lhe presentear.

Neste pequeno conto, o passado de Teodoro não tem importância, seu futuro será o seu fim.

Mas é que de repente a solidão atual de sua casa não se encaixa em um novo capítulo de sua memória. Os minutos são rápidos quando se tem algo importante a dizer, Teodoro precisa revelar algo sublime, triunfante, antes que os comprimidos façam efeito. Mas nada acontece, o mundo não deixa de ser mundo, de repente não há calor, suas mãos tremem, os olhos perdem o brilho e os sonhos nada profetizam. Nem sequer uma companhia ao seu lado para dizer adeus, ou um beijo como despedida.

Lentamente caminha até a sala de estar e abre a porta principal, abre as janelas, acende as luzes. É o aviso para que saibam que ele estará morto, e será visto antes que seu corpo produza odores desagradáveis. No momento em que for encontrado no chão, será sua maior glória, pois entre tantas pessoas surpreendidas, haverá alguém a lamentar o seu fim, a sua decisão.

Mas antes disso, ele tem nas mãos um exemplar da W Magazine, e impetuoso, quase a lacrimejar, mas contendo seu desabamento, diz, em português mesmo:

 – Eu deveria estar na capa dessa revista!

13.11.11

Antologia "A POLÊMICA VIDA DO AMOR"

É com uma alegria imensa que informo aos queridos leitores e amigos do blog que a Editora Oito e Meio estará lançando nesse mês, dia 24 de novembro, a antologia de contos “A Polêmica Vida do Amor”. Foram vinte autores selecionados. Os contos abordam o amor e suas relações imaginadas, as meramente sexuais, as que terminam em tragédia e aquelas que vivem em segredo. Um conto de minha autoria está presente no livro, e quem for do Rio de Janeiro e puder comparecer será super bem vindo.

Organizado pela editora Flávia Iriarte e o jornalista Daniel Russell Ribas, o livro conta com prefácio do autor Luis Biajoni (Elvis e Madona) e orelha do escritor e agitador cultural Marcelino Freire (Contos Negreiros).

Os autores são: Antônio LaCarne, Joana Souza, Anna Beatriz Mattos, Cesar Cardoso, João Lima, Paula Cajaty, Roberto Pedretti, Roberto Robalinho, Rodrigo Vrech, Thiago Poggio Pádua, Valentina Silva Ferreira, Viviane Roux, Luciano Prado da Silva, Rafael Rodrigues, Aline Miranda, Jonas Arrabal, Paulo Vitor Grossi, Beatriz Castanheira, Marcelo Asth, Sidiney Breguêdo.

Lançamento: 24 de novembro a partir das 20h.
                    Travessa dos Tamoios, 32C, Flamengo, Rio de Janeiro.

9.11.11

as palavras e as noites cansativas dos homens


De repente desdenho o ócio com uma saída rumo aos buracos da má aparência, do abutre guardado nas mãos. Penso tolenadas sobre meu amor-desejo-arquitetura sem antecedentes? E me descubro num sonho-massacre onde a bala que invade as carnes é o meu despertar rumo ao trabalho.

As ruas persistem que eu caminhe e trace ângulos arrependimentos sombras
de estadias em cidades tão banais quanto nossos sorrisos desencontrados.

Penso nos recortes e no que eu deveria ter dito. Mas é que os dias tão plásticos e impesoais mapeiam as notas sobrepostas do que eu havia planejado - e por distração, jogado na janela da rua.

As palavras e noites cansativas
do homem inventário registro jogo rápido.

Imagem: M/M Paris

3.11.11

mixtape impenetrável 2

Por coincidência, há exatos quatro meses, houve a primeira seleção de canções impenetráveis organizada pela @Maarji - amiga & cúmplice no absurdo. São músicas perfeitas para serem ouvidas em casa enquanto você folheia seus livros favoritos e se deixa transbordar pela nostalgia. Ou numa reunião entre amigos com um bom vinho ao lado. A atmosfera das canções é literária e tal inspiração toma proporções múltiplas em nossos corações. Enjoy!

25.10.11

poliedro

Quando calças de couro em tons metálicos superam crises antológicas de abstinência no momento em que:

a)      Sua concepção de afeto devora o sexo alheio numa fome de osso, tendão e volume sob o jeans;
b)      Ibiza é um sonho hipocondríaco em pleno desacordo com a sua conta bancária;
c)      Aos cinco anos eu imaginava ser Jesus Cristo;
d)     Aquele silêncio desagradável enquanto somos quatro dentro de um elevador.

Eu havia consumido um certo caos preso aos eternos muros intransponíveis do absurdo. Havia encarado o espelho e um puto descontrole emocional cujo culpado é o tempo. Vinte e tantos anos sobre o precipício – luta sanguinária contra as árvores infrutíferas de todos nós, incompetentes com a vida, viventes esquálidos do luxo, luxo, lixo – salve Augusto de Campos – e eu sob os ecos da penetração tardia a me iludir fantasiosamente enquanto nos lambíamos numa delícia total, quiçá concretista?
Os grandes olhos parados, omissos. Eu reverberando culpas, cigarros numerosos, as comparações extremas com o outro – ovelha negra da falta de razão quando não há razão. Decidi juntar os vinténs e me proporcionar mesa de bar antes que o dia exiba seu punho em revelia e eu cruze o Atlântico rumo ao far away from home, mas sem nenhum nó preso à garganta.

Nas horas em que nenhuma beleza é terna, junto os cacos, corrompo companhias familiares e organizo a memória do filho da puta em questão para que ele descanse em paz, que engula em dobro a angústia aqui (jamais) retratada. Obsessão, gota por gota. A inimiga que sabe quem eu sou, acompanhada demais enquanto não perco tempo.

As bebedeiras, os dias, as noites, o dinheiro gasto, tudo isso me faz lembrar tal displicência em relação ao outro; falta de educação e tato, uma quase confiança travestida de falso altruísmo gritante: revelação de desequilíbrio que pula das órbitas. Pobres de nós, mortais, seres de um mundo que caiu no esquecimento. Com um teor alcoólico mediano, após mesa de bar, afirmo aquela verdade que diz: estamos sós no mesmo barco, cada um por si, não conte comigo, estarei sozinho com a minha cabeça sobre o travesseiro.

Acendi outro cigarro, querida. Abandonei uma festa muito antes de sair de casa; é que as pernas cansadas e os olhos de sonos seculares me impossibilitaram mastigar diálogos com personas momentâneas em êxtase. No meu quarto sou vivo e tenho voz. Eu havia pintado no rosto de alguém um inimigo gratuito, mas acabei simpatizando com ele. Eu, que não guardo rancores e ao experimentar o prato frio da vingança, não encontro cor em sentimento tão banal – mesmo com o peito a descoberto. O que vos escrevo é apenas uma dose de emancipação doméstica. Cedinho, de pé, rumo ao ganha pão. Tarde da noite, de volta, estou presente na capital subdesenvolvida: realidade que nos pertence, sem fugas, meandros – tornando plástica a memória e as frustrações bem resolvidas (e aniquiladas) dos deuses semanais de salvação.
Não cito nomes por pudor que me trará arrependimentos. Então esqueço a seleção musical para corações desajustados. Tranco as portas, reinicio a lembrança de quem aqui esteve, partiu e foi embora. Já não me aproximo. Escuto ao longe os comentários venenosos. Sob a névoa fugaz da dança, o monstrinho cuspiu na própria face, erradicou retribuições amorosas e encerrou o assunto. Durante a dança ele me observa. Não devo prenunciar outro tapa na cara, meu sonho, talvez em vão, não se redime com mãos zombeteiras em direção ao céu. Céu de lápide, carnívoro.

Punho Totalitário desabotoou a calça jeans de Lua Estridente e corrompeu suas nádegas durante vinte e dois tenros minutos. Em seguida cuspiu sangue para que os homens de sua espécie não ousassem profanar o que é santo, casto, imantado. Dormi tranquilo com os olhos fixos na parede azul do quarto. Sensação ambígua até a próxima puta festa.

Resguardei os símbolos bem perto de você – neste terceiro dia em que me encontras sem uma palavra no bico. Quando estou só o tempo vivencia estas imagens do que eu seria antes de te escrever cartas. É que durante o sono desarrumei os talheres sobre a mesa. Não esperei você voltar da grande viagem que me fez perder as contas de tardes lúgubres sobre este espaldar. Reflito anonimamente, mas buscando meu nome antes do teu, só assim sou sincero antes do bote. O frio também é lápide na lata do lixo, esqueço o frio e a aurora campestre, pois em suma, tudo é um diálogo de anos.

Confiei em você, mas tratei de expelir a fumaça o quanto antes. Preciso dar uma voltinha por cima enquanto você está aí, sozinho, culpado – reconheço as ilusões e delas retribuo com o meu desinteresse mastigado, afinal já não há mais propósito nos cumprimentos.

18.10.11

hiato


Dor nas têmporas, mandíbulas. Consequência dos atos mundanos, sujos. Encontrei companhia na noite, gastei todo o meu dinheiro, os taxistas ridiculamente mal educados – e em algum momento estrelas no céu? Eis o tempo. Já não sei o que fazer com os livros e com a memória. Estremeço, sonho interrompido às 4:30 da manhã. O frio é um tapa com luvas de pelica. Ninguém por perto me redime. Tentação versus o suicídio sob a pele. O hoje é tão forte, meramente distorcido. As pernas, a cabeça, o coração em círculos. Para não esquecer as conseqüências abrasadoras do calor insuportável, ei-lo, o sol. Vela mordaz, a palavra da boca mentirosa. Não quero conversa, cortarei relações. Desequilibrado eu estaria como num carrossel encantado. Fofocas com as camareiras do hotel, principalmente na hora do almoço. Estou prestes a me livrar dos maus tratos. Língua nas partes íntimas ao entardecer. Vou buscar um café antes de tanta morte.

10.10.11

tigres são animais perigosos


ninguém esteve aqui durante o falso jantar.
muitas sobras sobre a mesa, filhinho.
é ele quem perde as oportunidades antes que o circo retorne à cidade.
a melhor saída é não tocar no assunto,
deixemos que ele seja feliz ou que sobreviva por conta própria.
o monstrinho redefine as cores para um suposto prazer,
mas não às custas do meu pensamento aqui congelado.

*

quando não é preciso falar sobre ele, monstro que palpita as convenções do absurdo. meu peito recria falso testemunho aos domingos

*

entre e recomece outra vez, filhinho.
e espere mais um pouco.

*

lama.

Imagem: Amee Christian

30.9.11

a paixão e o céu da minha boca


Então o universo continua a mesma redoma insaciável de máscaras. Todos bebiam, eu bebia, fui ao bar buscar uma dose de vodka, e antes que eu retornasse ao meu santuário petrificado, interpretei a minha própria imagem. Agachado, eu respirava, eu inspirava, éramos desconhecidos, eu lambia, eu salivava, minha boca era preenchida, meus olhos procuravam outros olhos, eu insistia no ato, o céu da minha boca era um paraíso apocalíptico, o céu da minha boca era a paixão reencarnada nas mãos de um ser vivo: um transeunte, eu, o céu da minha boca. Lembro que eu deitava em cama estranha, lembro que eu vagava num labirinto onde a minha vaidade era domesticada, lembro que eu segurava as grades da cama, lembro da dor, lembro de ouvir uma mentira, lembro que meu telefone não tocava, lembro que eu acreditava nas frases, lembro que eu gritava de dor e ele dizia – ele dizia – ele dizia que doeria menos, mas com a força de músculos sobre músculos a dor é mais forte, e eu sofria, eu suava, eu não sentia prazer, eu lembrava de todos os perigos e de todas as formas de sedução que eu havia inventado, e ele dizia – ele dizia – ele mentia, ele era um homem de trinta e nove anos, e ele causava dor por vontade própria, e eu acreditava em todas as mentiras que o homem de trinta e nove anos contava, eu acreditava, e ele persistia na grande mentira que é sentir paixão quando a paixão era a dor que eu sentia no céu da minha boca. E a paixão é um sexto dedo, hoje telefonei para alguém, e era uma gota de alegria o que eu sentia, e sei que perdi a alegria e ganhei uma amizade, ganhei um sexto dedo, fui especial e não venci, desliguei o telefone com a metade de um sorriso no rosto, fui corajoso e fraco, tentei pular para o outro lado, tentei, mas me perdi dentro do céu da minha boca. Estamos em agosto e agosto não é paixão, é destino, a ilusão é uma faca, querer outro caminho é esperança, nunca o sol teve um brilho reluzente com hoje, o sol parecia ser uma claridade apagada esperando a renovação do tempo, o sol é matéria complexa aliviando um brilho que arde, meu orgulho é uma mordida que arranca o pedaço de um pedaço de não sei o quê, meu orgulho arranca as pernas da paixão. As pernas. Um pedaço de não sei o quê. Brilho na cegueira dos olhos. O sol na direção contrária. A paixão na direção contrária. Engulo os ovos do ninho para que eu aprenda a renascer – e paz sobre a terra árida onde se planta e não se colhe. Um fim. Um gosto. Uma solução para o problema. Biografia estilhaçada. Livros por ler. Paixão. O céu da minha boca.

Imagem: Amee Christian

22.9.11

precipício-princípio

do livro "Elefante-Rei: Poemas B"

Angelo lentamente encontra seus vestígios espedaçados de vida, como quem tropeça ao caminhar. Após o tropeço, uma pausa, o corpo se imobiliza para ver a elevação na calçada ou a pedra culpada do possível tombo. No parar para crer há uma percepção arredia: eu sou assim, eu quase caí. O pensamento é guilhotina entre os segundos de um minuto - na incompatibilidade de um dia interpretado. No grande mar dos fatos, situações reincidentes são ondas sedentas, mas ele, que não é bobo, mergulha no mar, provando-lhe o salgado com caretas de asco.

14.9.11

Kate Moss destruiu todo o meu veneno

e eu imaginei doses cavalares de sonhos eróticos enquanto nos encostávamos no muro e eu sentia a pressão daquele corpo - em particular o detalhe de maior importância (paradisíaco). hoje é uma terça-feira onde me expresso através do silêncio da palavra após palavra versus os animais que copulam durante a eterna foice de nossos rostos. você não me entende, mas me surpreendo super bem. a elucidação da prática e dos membros sexuais tão próximos e tão nucleares. em qual noite esquálida você se identifica e compromete? a boca, delícia preenchida, jorra carne e nervos num líquido de transparência - em alguns casos emudece até as rugas do tempo.
[texto extraído do meu querido novo tumblr: Kate Moss destruiu todo o meu veneno]

9.9.11

vigésimo sexto sol do divórcio

A vaidade condiz,
nela propicio meu precipício em princípios,
a primeira mão como a última a aplaudir.

Desaprendi maneiras: educada longa busca,
a arte de expor o sexo alheio aos meus olhos,
e devorar receios nas noites em que os brilhos cegam,
cospem, maltratam.

Quisera ter sido, procurar ou procurando,
nesga de presença que se afasta,
e eu, encostado à parede, com o peito a descoberto.

Se me perguntam com qual cor pintar o corpo,
hei de perceber os dedos intactos,
carne imaculada na multiplicidade de tintas,
orgulho contra paredes em branco,
terreno erguido para que o ator seja homem,
e eu intérprete.

Enquanto estamos de frente,
do alto de um prédio ou do chão trilha passageira,
sussurro a favor do desejo,
mas a resposta são as cabines do banheiro superlotadas.

Chorar no teu ombro sob influência das drogas,
lembrar do que é quadrado: a cama,
a vigésima sexta lua do divórcio,
afinal quem insiste educa uma perda,
protege em silêncio o signo de Capricórnio.

31.8.11

crônica da contemplação das naturezas mortas

[o coração também é lama. a voz que ecoa de tantas bocas também é fogo que subestima as noções do tempo. é bem vindo o instante em que eu, por motivos guardados a sete chaves, esclareço as nódoas, respingos, espinhos, unhas encravadas. triste do homem sem voz ou triste da persona que se deixa levar pelos meandros da boa conduta. então descrevo uma idealização íntima, projeto pessoal de convivência com o mundo - crônica impenetrável que toma corpo, rastro e nitidez].

acendo um cigarro. ligo o farol da investigação que há de me decodificar. penso nos erros, nas boas e más companhias. reflito a razão dos absurdos. me pergunto: por que perdemos tempo diante dos presságios que insistem em tornar os dias e noites em caos? pois somos insetos que incorporam tendências urbanóides sem qualquer explicação.

[pausa para tomar fôlego. pausa para rastrear o nó na garganta: aquela percepção quase sempre tardia, mas que por algum motivo, soa como última chance para o último pecador. eu sou o último pecador e me permito, na melhor das intenções, uma última chance].

não é impressão minha que a realidade seja de uma gravidade aterrorizante. intolerância não é perceber que as pessoas são de um desinteresse monstruoso. todos os dias os mesmos códigos fracassados. carência e abnegação em cada olhar perdido por aí. tantos e tantas fingindo nobreza, beleza, aceitação, inteligência, popularidade, sex appeal & everything.

já não considero um erro não ser tão pessoal se comparado ao que eu era em 2009? ok, eu não me revelo aqui, apenas entrego pistas, o lance das pérolas aos porcos. de certa forma se trata de um relato da indisposição ao que existe. não há espaço para a razão, e sim para a emancipação das sensações.

[i´m not playing games anymore]

23.8.11

deus


De joelhos, o homem abraçou o silêncio do quarto e rezou para que qualquer deus pudesse alcançá-lo na súplica. Após a oração, o homem desejou não ter vida, prometendo aos santos a eliminação de sua sombra. As imagens sacras, coloridas, permaneciam intocadas no altar improvisado na sala de casa. O homem que era generoso e ausente da própria sorte quis enxergar os vigores do presente, como se ao se despedir das demoras, pudesse exilar o passado no passado. E enquanto todas as manhãs demonstravam que os dias são esperas constantes, ele imaginou pedir ao céus uma saída, imaginou rabiscar o próprio nome, imaginou ter um irmão, e com ele, de braços dados, marchar rumo ao jantar em família. Ambos com destinos opostos, numerando-os como duas faces sobrepostas, e que o mundo enfim impedisse as separações.

15.8.11

a cobra não há de engolir o próprio rabo


[ando loucamente sem nenhuma conclusão, os círculos que se fecham, a cobra que engole o próprio rabo? ainda com vários truques de sobrevivência, o cabelo por cortar, aparência reerguida após um telefonema de amor em plena madrugada. a nesga de mar em conspiração com a memória - que aos pouquinhos vai se desfazendo em falso perigo]

feriado na cidade e tudo o que eu posso garantir é...

[3 horas em ponto] subordinação ao dia.


Imagem: Allyson Mellberg
 

11.8.11

avenida dos gestos (trecho)

o meu querido "avenida dos gestos" está pra sair até o fim desse ano, assim espero, então aqui vai um trecho com o meu louvor:

"ainda em julho: mês do coração na acupuntura, folheio os jornais em busca de limites, o caderno de notas aqui, S. não proclama interesse, desvio meu navio e jogo as âncoras pro alto pensando num barco aos pedaços: troca que não diminui o peso, faz definhar o rato de laboratório, assim como eu, & nossos olhos idênticos,

o lado de lá ensolarado, o lado de dentro estrangeiro durante o sonho, amor desfeito & as presenças como um flerte preso aos calcanhares, my dear, estive por muito tempo (mais de 6 meses, acredite) a mergulhar meu rosto na piscina, não obtive resposta quando a paixão ousou inserir vogais às sensações, estupidez de quem acredita na farsa do vilão, amei & desacreditei (hoje acredito & venero) o que em mim se refaz após estes desejos fluorescentes, me reedito após estes tropeços,"

3.8.11

muito longe de ti

Quando escrevi o "Elefante-Rei: Poemas B" este foi o primeiro poema pronto, lembro do orgulho que senti, pois mesmo sendo tão simples, o poema retratou uma verdade íntima que eu guardei por muito tempo e que com o decorrer do tempo me livrei, mas de uma forma libertadora e sem pressão. Truques do destino.



Querido pai desencontrado,
os olhos são telhas de vidro,
o fruto em minhas mãos nasceu de tua árvore,
o teu amor-silêncio é unicamente
sangue, não é presença,
recebi amor estrangeiro ao nascer,
e a culpa não redimiu os meus pecados,
a glória na remissão dos meus pecados.

Mas o que não se desfaz,
o que não se esconde,
este sou eu e não uma cor verde,
este é o desejo sobre tua memória,
e a tua morte será o meu grito:
um castigo de dor que alivia.

Muito longe de ti
em voltas, cambalhotas, quedas.
Muito longe de ti
e a falta do teu divino reconhecimento
que para mim é tesouro sem pedras preciosas.
E já estou perdido nesta cidade,
inútil em pedir auxílio,
inútil como os descrentes nas ruas.
As ruas, as esquinas, as pessoas mortas,
o barulho, as coisas, as reações.

Sou escravo das ventanias da mente,
correntes prendem as tuas mãos,
mordaça em nossa boca,
minhas pernas arranhadas.
Sou escravo muito longe de ti,
os olhos são telhas de vidro,
um castigo de dor que alivia,
este sou eu e não uma cor verde.

Imagem: Nucleus Medical Art, Inc.

28.7.11

o morro das impenetráveis uivantes


aqui jaz o limbo das conspirações, linguagem ferrenha no duelo de divas. tom maior sobre o tom pasmódico das luzes. close-up que não enriquece as entranhas (não sufoca os elos do eu sou eu, você é você).

noções de self-marketing (pois é preciso?), no entanto sacudimos nossas correntes em relação ao outro, abocanhando a (in)dignidade do outro - ângulo convexo, no caso.

somos monstros. ratazanas de bordel. abajur intolerante no centro da escuridão.

um telegrafista é maravilhosamente bem vindo. compensamos o dinheiro ralo com:

a) atenção em demasia (decodificando os fluxos do amor);
b) elogios protuberantes (o realce da cor dos teus olhos);
c) carnaval em dia santo (pois a dança é o latido dos cães modernos).

eu sou o que você quiser, baby. e não tenho vergonha.

imagem: siyu chen

20.7.11

yyy, sim, porém, não:

O destino compensa, triste desencanto diante das possibilidades. Em desacordo com o que eu havia planejado, um silêncio mortal tomou as rédeas. Desisti por um tempo de narrar, sob uma perspectiva pós-moderna, os relatos e constatações das amigas Tangerine e Clementine. Estávamos num café enquanto eu tomava nota de todos os podres e atos pitorescos dos homens sem um pingo de sex appeal. Segundo elas, a cantada ao pé da orelha se resume ao transtorno que é ser invadida durante abraços sem pegada, beijos sem sal, descontroles da ereção. Clementine é comprometida, o que lhe garante o viés de fina observadora. Já Tangerine, ela é neurótica como eu.

Sumi por um tempo do meu contato diário com F. Nossos e-mails são remédios de tarja preta que amenizam as recaídas das dores. Refletimos (ele, de Madri, eu, de Fortaleza) sobre o porquê das ciladas. Mas hoje prestarei contas da salvação momentânea, no caso.

Joana Rosa K fortalece o andar aos barrancos. Temos projetos literários, ela será minha editora, além da alegria em sabê-la como primeira fiel grande leitora.  Joana profetiza um enorme sol diante da noite sem estrelas. (Os detalhes do nosso night out é segredo, coisas simples, porém secretas).

Lady Lazarus na botecagem de terça, não compareci por desajuste, muito o que fazer, pensar, tricotar, refletir, blá blá blá.

Enquanto isso, Lalheska Lanvin me estupra um sorriso numa de suas entrevistas, quando ela pergunta: "E as influências? Além das experiências extraterrestres".

13.7.11

heartbeat


Ainda há pouco, Lady Lazarus comentou sobre nosso momento low profile. Desliguei o telefone, surpreso, inutilizado com o teor do meu choque, será? Continuei minhas obrigações, rememorei detalhes & planos para sexta. É que o tempo nunca é suficiente, como se os dias incorporassem rostos pela metade. De repente é preciso dormir, o coração hesita, as horas ditam o próximo passo, teimo em anotar planos, notas, detalhes absurdos durante o reflexo no espelho? Mimeografarei a sordidez do comportamento para depois enfatizar os custos, vitórias, derrotas, Síndrome de Estocolmo dos meus sonhos.

8.7.11

talk to me De Niro


Dear diary: decidi me desbocar por culpa do falso pudor irremediável. Acredite quem puder. Pedras rolarão, omissas. Confiança que me faz cuspir ao alcance daquele rosto indigno, medíocre, refém do pilling (como se eu não soubesse dos tais segredos de motel). Tudo isso é uma falsificação do tempo a bancar o tolo diante de nossas fuças. As mãos abusam & repelem & dividem (em partes desiguais) as cartas do nosso jogo perplexo de baralho.


Sexta, momento vamos dançar um tango: telefonar para V., manter nosso encontro de pé, afinal eu sou a onça a me cutucar com vara curta. Por hoje, nada de encarar a persona. Estou aqui, baby, aproveite esse momento sutileza & me encante com sua postura séria, calada, observadora (controlo calafrios de prazer).  Cansei das muralhas aqui, nas esquinas, nos passos longos & rápidos. 

O interessante é que estarei a beber, enquanto V. me observa cair do falso pedestal, tão lúcido & eu me desvencilhar dos planos, caindo em contradições, divagações sobre o porquê de eu sumir tanto de sua vida. Pois é, sumo, tática de vingança inofensiva. Segredo total, deixo claro. Tudo seria mais fácil se, ao invés das conversas, partíssemos para uma noite boogie, no caso.

Imagem: Robert Wilkinson

3.7.11

mixtape impenetrável

Música é uma maravilha, & os dias exigem trilha sonora. Então pedi que a amiga Maarji Castilho fizesse uma seleção de canções impenetráveis. O resultado saiu melhor do que eu esperava. Ouvi pela primeira vez num saturday afternoon & hoje compartilho com vocês, queridos leitores do blog. Tem No Porn, Grace Jones, Everything But The Girl, Fever Ray, Kate Bush, Sade, Holly Golightly.

A mixtape é curtinha, ótima pra se ouvir enquanto você lava a louça, ou arruma o quarto, ou se prepara para uma festa-botecagem-cafezinho com os amigos.
(Ou quando você está sozinho em casa, pensando na vida ou naquele amor que te levou à auto-destruição)

Chegou a hora da vingança: impenetralismo way of life.


26.6.11

teoria


2:30 da manhã: crise de turbulência bufando ao meu redor. desmarquei encontros sucessivos com f., pois ele não abre a boca & me investiga de soslaio. lady unfair continua a soltar indiretas, quer circo pegando fogo & a morte dos macacos. jamais pedirei desculpas contra a vontade de andreas, meu tutor, quase mártir privado. comecei a leitura do livro sobre pessoas sem um mínimo de credibilidade, portanto há quem não resista aos seus encantos. por hora, estendi as roupas no varal, troquei a água do gato, esvazeei os cinzeiros. depois, tomar café com os amigos, ir ao cinema. no fim do dia, juntar as moedas perdidas na bolsa & comprar a última vogue. tal beleza que só é estampada em capas de revistas.

Imagem: Sandra Juto

20.6.11


Somos todos animais insensatos. Na encruzilhada de qualquer deus, sou o homem vestido de terra, céu & clemência. Os homens concluem reverberações impróprias. Anseio como bactéria.

Imagem: Maarji Castilho

16.6.11

I Feel Plastic (O neon da noite torna os meus olhos translúcidos no fogo)



deeper and deeper ao fundo como se eu transgredisse - lânguido - a década de 90 num grito de prazer enquanto a dor nos lábios preenche orifícios. por dois anos você foi o abutre febril & desonesto (doses homeopáticas de cinismo). vesti uma máscara doentia, transbordei cubículos hediondos com o meu esplendor de persona confessa contra o filho da puta tatuado no teu pescoço.

ou:

energias fundamentais guardadas para sexta: noite onde a escuridão é ofuscada por brilhos mecânicos. trancados no banheiro, ainda somos feras sem persuasão. nossos problemas se resolvem com o auxílio da moda, dos conselhos, das drogas, de ives saint laurent? absolutamente, não.

ou:

irei engolir o silêncio deste navio.

12.6.11

Paralelo Desigual

Há pouco mais de dois anos, em abril de 2009, saiu meu primeiro livro de prosa-poética com o título de Elefante-Rei: Poemas B (quando eu ainda usava o nome de Antônio Alves Neto). Foi uma edição minúscula & o meu intuito não foi o de criar muito alarde, pois em todos os textos do livro, mantive o posicionamento/atmosfera extremamente confessional. Ao meu ver & orgulho, pude concretizar minha primeira manifestação artística: uma pequena obra de arte às escuras, sem pretensão & com a dignidade de um mero amador com um leque de idéias poéticas na cabeça. Por algum tempo quis me afastar completamente do livro, mudei a alcunha para Antônio LaCarne & hoje estou aqui a memorizar o que um dia fui. Relembrar faz parte da vida.



Paralelo Desigual

Intacto é um muro de pedras, e depois de mim vem o poço. O buraco no muro é um silêncio morto. Cumprimentem o primeiro sol, deitarei na cama para esticar os ossos e a visão do teto será a única paisagem. Sou autorizado a ter dois olhos míopes, mas alguém ao meu lado ousa dizer: "isso nunca será de sua posse".

Reconstruo a farsa: cumprimentem a segunda casa, as paredes do quarto estarão impressas nos pedaços de madeira das portas, na areia presa ao meu sapato. Ouça então um grito, não se trata de horror, é gemido agressivo, carta de alforria ao escravo livre.

Eles permitem que eu veja a palma de uma mão. Eles permitem que eu vá embora. Se volto, eu perco. Se continuo, estaco. Chorar é um vazio que o organismo rejeita. São raras as noites de frio, e o lençol é um manto devastador para os minutos de corpo-a-corpo.

Mantive meu segredo. Meus pés descalços confortavam as raízes das árvores. Num esconderijo recém descoberto fumei cigarros. Sou Antônio entre quinas e rodapés. Ao ruim do gosto tomo-lhe as pálpebras. Despeço-me do trem anunciando sua fuga: máquina veloz correndo indiferente.

Eis que transtornado exibo um rosto plastificado. No meio de uma surpresa doméstica somos cobras falantes, não temos gesto e o futuro nos desune. Nossas carcaças vivas abduzem mortes corriqueiras. Somos considerados culpados: vastidão transfigurada no anseio de um pedido. Eu, sem os adornos que escondem uma vergonha.

Aos poucos me distancio e me aproximo de mim mesmo. Perderás o medo em um dia de vida. Cobriremos o terceiro sexo com um possível terceiro braço.

Em revolta quebro as lápides que sustentam o alvo. Ao fazer uma pergunta perco toda a essência. Ser translúcido para conquistar o amor. Mas o que eu quero é um amor côncavo.

Aos poucos me distancio e me aproximo de mim mesmo. Aos poucos me reconheço.

8.6.11

Babilônia jamais revisitada



"There was a rough stone age and a smooth stone age and a bronze age,
and many years afterward a cut-glass age".

(F. Scott Fitzgerald in The Cut-Glass Bowl)


Virginiano com ascendente em Áries e lua em Peixes. Este sou eu - sob o céu azul da metrópole desgarrada. Rosto desenhado no asfalto às duas da tarde enquanto o horóscopo da vida (numa terça, dia 7) estampa nas páginas do jornal a grande dúvida entre o "quarto crescente" (onde me exponho) e a vontade de cair na esbórnia. Não compreendo os dias inaptos ou aqueles dois sentimentos infames que se multiplicam na toca do coelho. A simbologia dos quadros, dos rostos sem moldura rompe (e não reflete) o meu horror.

Imagem: Maarji Castilho


4.6.11

eu simplesmente perderia o meu rumo



Eu me despi de você e ainda não encontrei volta. Perdi centenas de formas ao associar cão mudo versus cão abandonado na cidade - quando era eu a ladrar e a corroer o tempo. E me perguntam - atingidos pelo meu delírio - o nome do objeto, o nome do meu encontro às claras. Esgotei em cada assunto o que me era importante, como se ao abrir os olhos - aparentemente inatingíveis - eu suspirasse aliviado por uma dor histórica e tão comum aos homens de estimada predileção.