31.8.11

crônica da contemplação das naturezas mortas

[o coração também é lama. a voz que ecoa de tantas bocas também é fogo que subestima as noções do tempo. é bem vindo o instante em que eu, por motivos guardados a sete chaves, esclareço as nódoas, respingos, espinhos, unhas encravadas. triste do homem sem voz ou triste da persona que se deixa levar pelos meandros da boa conduta. então descrevo uma idealização íntima, projeto pessoal de convivência com o mundo - crônica impenetrável que toma corpo, rastro e nitidez].

acendo um cigarro. ligo o farol da investigação que há de me decodificar. penso nos erros, nas boas e más companhias. reflito a razão dos absurdos. me pergunto: por que perdemos tempo diante dos presságios que insistem em tornar os dias e noites em caos? pois somos insetos que incorporam tendências urbanóides sem qualquer explicação.

[pausa para tomar fôlego. pausa para rastrear o nó na garganta: aquela percepção quase sempre tardia, mas que por algum motivo, soa como última chance para o último pecador. eu sou o último pecador e me permito, na melhor das intenções, uma última chance].

não é impressão minha que a realidade seja de uma gravidade aterrorizante. intolerância não é perceber que as pessoas são de um desinteresse monstruoso. todos os dias os mesmos códigos fracassados. carência e abnegação em cada olhar perdido por aí. tantos e tantas fingindo nobreza, beleza, aceitação, inteligência, popularidade, sex appeal & everything.

já não considero um erro não ser tão pessoal se comparado ao que eu era em 2009? ok, eu não me revelo aqui, apenas entrego pistas, o lance das pérolas aos porcos. de certa forma se trata de um relato da indisposição ao que existe. não há espaço para a razão, e sim para a emancipação das sensações.

[i´m not playing games anymore]

23.8.11

deus


De joelhos, o homem abraçou o silêncio do quarto e rezou para que qualquer deus pudesse alcançá-lo na súplica. Após a oração, o homem desejou não ter vida, prometendo aos santos a eliminação de sua sombra. As imagens sacras, coloridas, permaneciam intocadas no altar improvisado na sala de casa. O homem que era generoso e ausente da própria sorte quis enxergar os vigores do presente, como se ao se despedir das demoras, pudesse exilar o passado no passado. E enquanto todas as manhãs demonstravam que os dias são esperas constantes, ele imaginou pedir ao céus uma saída, imaginou rabiscar o próprio nome, imaginou ter um irmão, e com ele, de braços dados, marchar rumo ao jantar em família. Ambos com destinos opostos, numerando-os como duas faces sobrepostas, e que o mundo enfim impedisse as separações.

15.8.11

a cobra não há de engolir o próprio rabo


[ando loucamente sem nenhuma conclusão, os círculos que se fecham, a cobra que engole o próprio rabo? ainda com vários truques de sobrevivência, o cabelo por cortar, aparência reerguida após um telefonema de amor em plena madrugada. a nesga de mar em conspiração com a memória - que aos pouquinhos vai se desfazendo em falso perigo]

feriado na cidade e tudo o que eu posso garantir é...

[3 horas em ponto] subordinação ao dia.


Imagem: Allyson Mellberg
 

11.8.11

avenida dos gestos (trecho)

o meu querido "avenida dos gestos" está pra sair até o fim desse ano, assim espero, então aqui vai um trecho com o meu louvor:

"ainda em julho: mês do coração na acupuntura, folheio os jornais em busca de limites, o caderno de notas aqui, S. não proclama interesse, desvio meu navio e jogo as âncoras pro alto pensando num barco aos pedaços: troca que não diminui o peso, faz definhar o rato de laboratório, assim como eu, & nossos olhos idênticos,

o lado de lá ensolarado, o lado de dentro estrangeiro durante o sonho, amor desfeito & as presenças como um flerte preso aos calcanhares, my dear, estive por muito tempo (mais de 6 meses, acredite) a mergulhar meu rosto na piscina, não obtive resposta quando a paixão ousou inserir vogais às sensações, estupidez de quem acredita na farsa do vilão, amei & desacreditei (hoje acredito & venero) o que em mim se refaz após estes desejos fluorescentes, me reedito após estes tropeços,"

3.8.11

muito longe de ti

Quando escrevi o "Elefante-Rei: Poemas B" este foi o primeiro poema pronto, lembro do orgulho que senti, pois mesmo sendo tão simples, o poema retratou uma verdade íntima que eu guardei por muito tempo e que com o decorrer do tempo me livrei, mas de uma forma libertadora e sem pressão. Truques do destino.



Querido pai desencontrado,
os olhos são telhas de vidro,
o fruto em minhas mãos nasceu de tua árvore,
o teu amor-silêncio é unicamente
sangue, não é presença,
recebi amor estrangeiro ao nascer,
e a culpa não redimiu os meus pecados,
a glória na remissão dos meus pecados.

Mas o que não se desfaz,
o que não se esconde,
este sou eu e não uma cor verde,
este é o desejo sobre tua memória,
e a tua morte será o meu grito:
um castigo de dor que alivia.

Muito longe de ti
em voltas, cambalhotas, quedas.
Muito longe de ti
e a falta do teu divino reconhecimento
que para mim é tesouro sem pedras preciosas.
E já estou perdido nesta cidade,
inútil em pedir auxílio,
inútil como os descrentes nas ruas.
As ruas, as esquinas, as pessoas mortas,
o barulho, as coisas, as reações.

Sou escravo das ventanias da mente,
correntes prendem as tuas mãos,
mordaça em nossa boca,
minhas pernas arranhadas.
Sou escravo muito longe de ti,
os olhos são telhas de vidro,
um castigo de dor que alivia,
este sou eu e não uma cor verde.

Imagem: Nucleus Medical Art, Inc.