Solícito, porém com as unhas esmaltadas.
Oh, quem ele poderia ser vestido de ela numa elegante roupa masculina? Teodoro Augustinho de Jesus, e suas longas pernas de homem enrugado aos quarenta, aparentando desejo ao consumir corpos de jovenzinhos saudáveis nas noites em que o medo de mais uma ilusão se edifica. Mas ser mulher e erradicar tantos pelos e músculos escondidos é tão complicado e desestimulante! Então para curar a fome, ele se imagina como o melhor amigo de Adolf Von Baeyer – o criador dos barbitúricos – e engole aos montes os comprimidos espalhados sobre a mesa.
– Hoy estoy sola! – Responde para a própria imagem diante do espelho como se desculpasse o próprio rosto desfigurado na maquiagem que despenca, sob o efeito do calor insustentável no Brasil.
Teodoro – que antes de se perceber como “ela” – havia enxergado antes te todas as crianças de sua idade, o que havia de tão volumoso entre as pernas dos homens. Desde então seu martírio criara impulso, e ele, corajoso, experimentava ávido a dor de não ter as sutilezas e as formas do corpo de uma mulher.
Aos quinze, fugira na boléia de um caminhão rumo à Big Apple: Teresina, capital do Piauí. Depois de anos de luta conseguira economizar o suficiente para comprar perucas, vestidos de costa nua – como os da Marylin – perfumes franceses originais, sandálias high heels, e um incontável número de quinquilharias capazes de salvá-lo do mundo injusto e do sexo equivocado que Deus ousara lhe presentear.
Neste pequeno conto, o passado de Teodoro não tem importância, seu futuro será o seu fim.
Mas é que de repente a solidão atual de sua casa não se encaixa em um novo capítulo de sua memória. Os minutos são rápidos quando se tem algo importante a dizer, Teodoro precisa revelar algo sublime, triunfante, antes que os comprimidos façam efeito. Mas nada acontece, o mundo não deixa de ser mundo, de repente não há calor, suas mãos tremem, os olhos perdem o brilho e os sonhos nada profetizam. Nem sequer uma companhia ao seu lado para dizer adeus, ou um beijo como despedida.
Lentamente caminha até a sala de estar e abre a porta principal, abre as janelas, acende as luzes. É o aviso para que saibam que ele estará morto, e será visto antes que seu corpo produza odores desagradáveis. No momento em que for encontrado no chão, será sua maior glória, pois entre tantas pessoas surpreendidas, haverá alguém a lamentar o seu fim, a sua decisão.
Mas antes disso, ele tem nas mãos um exemplar da W Magazine, e impetuoso, quase a lacrimejar, mas contendo seu desabamento, diz, em português mesmo:
– Eu deveria estar na capa dessa revista!