Então o universo continua a mesma redoma insaciável de máscaras. Todos bebiam, eu bebia, fui ao bar buscar uma dose de vodka, e antes que eu retornasse ao meu santuário petrificado, interpretei a minha própria imagem. Agachado, eu respirava, eu inspirava, éramos desconhecidos, eu lambia, eu salivava, minha boca era preenchida, meus olhos procuravam outros olhos, eu insistia no ato, o céu da minha boca era um paraíso apocalíptico, o céu da minha boca era a paixão reencarnada nas mãos de um ser vivo: um transeunte, eu, o céu da minha boca. Lembro que eu deitava em cama estranha, lembro que eu vagava num labirinto onde a minha vaidade era domesticada, lembro que eu segurava as grades da cama, lembro da dor, lembro de ouvir uma mentira, lembro que meu telefone não tocava, lembro que eu acreditava nas frases, lembro que eu gritava de dor e ele dizia – ele dizia – ele dizia que doeria menos, mas com a força de músculos sobre músculos a dor é mais forte, e eu sofria, eu suava, eu não sentia prazer, eu lembrava de todos os perigos e de todas as formas de sedução que eu havia inventado, e ele dizia – ele dizia – ele mentia, ele era um homem de trinta e nove anos, e ele causava dor por vontade própria, e eu acreditava em todas as mentiras que o homem de trinta e nove anos contava, eu acreditava, e ele persistia na grande mentira que é sentir paixão quando a paixão era a dor que eu sentia no céu da minha boca. E a paixão é um sexto dedo, hoje telefonei para alguém, e era uma gota de alegria o que eu sentia, e sei que perdi a alegria e ganhei uma amizade, ganhei um sexto dedo, fui especial e não venci, desliguei o telefone com a metade de um sorriso no rosto, fui corajoso e fraco, tentei pular para o outro lado, tentei, mas me perdi dentro do céu da minha boca. Estamos em agosto e agosto não é paixão, é destino, a ilusão é uma faca, querer outro caminho é esperança, nunca o sol teve um brilho reluzente com hoje, o sol parecia ser uma claridade apagada esperando a renovação do tempo, o sol é matéria complexa aliviando um brilho que arde, meu orgulho é uma mordida que arranca o pedaço de um pedaço de não sei o quê, meu orgulho arranca as pernas da paixão. As pernas. Um pedaço de não sei o quê. Brilho na cegueira dos olhos. O sol na direção contrária. A paixão na direção contrária. Engulo os ovos do ninho para que eu aprenda a renascer – e paz sobre a terra árida onde se planta e não se colhe. Um fim. Um gosto. Uma solução para o problema. Biografia estilhaçada. Livros por ler. Paixão. O céu da minha boca.
Imagem: Amee Christian