30.9.11

a paixão e o céu da minha boca


Então o universo continua a mesma redoma insaciável de máscaras. Todos bebiam, eu bebia, fui ao bar buscar uma dose de vodka, e antes que eu retornasse ao meu santuário petrificado, interpretei a minha própria imagem. Agachado, eu respirava, eu inspirava, éramos desconhecidos, eu lambia, eu salivava, minha boca era preenchida, meus olhos procuravam outros olhos, eu insistia no ato, o céu da minha boca era um paraíso apocalíptico, o céu da minha boca era a paixão reencarnada nas mãos de um ser vivo: um transeunte, eu, o céu da minha boca. Lembro que eu deitava em cama estranha, lembro que eu vagava num labirinto onde a minha vaidade era domesticada, lembro que eu segurava as grades da cama, lembro da dor, lembro de ouvir uma mentira, lembro que meu telefone não tocava, lembro que eu acreditava nas frases, lembro que eu gritava de dor e ele dizia – ele dizia – ele dizia que doeria menos, mas com a força de músculos sobre músculos a dor é mais forte, e eu sofria, eu suava, eu não sentia prazer, eu lembrava de todos os perigos e de todas as formas de sedução que eu havia inventado, e ele dizia – ele dizia – ele mentia, ele era um homem de trinta e nove anos, e ele causava dor por vontade própria, e eu acreditava em todas as mentiras que o homem de trinta e nove anos contava, eu acreditava, e ele persistia na grande mentira que é sentir paixão quando a paixão era a dor que eu sentia no céu da minha boca. E a paixão é um sexto dedo, hoje telefonei para alguém, e era uma gota de alegria o que eu sentia, e sei que perdi a alegria e ganhei uma amizade, ganhei um sexto dedo, fui especial e não venci, desliguei o telefone com a metade de um sorriso no rosto, fui corajoso e fraco, tentei pular para o outro lado, tentei, mas me perdi dentro do céu da minha boca. Estamos em agosto e agosto não é paixão, é destino, a ilusão é uma faca, querer outro caminho é esperança, nunca o sol teve um brilho reluzente com hoje, o sol parecia ser uma claridade apagada esperando a renovação do tempo, o sol é matéria complexa aliviando um brilho que arde, meu orgulho é uma mordida que arranca o pedaço de um pedaço de não sei o quê, meu orgulho arranca as pernas da paixão. As pernas. Um pedaço de não sei o quê. Brilho na cegueira dos olhos. O sol na direção contrária. A paixão na direção contrária. Engulo os ovos do ninho para que eu aprenda a renascer – e paz sobre a terra árida onde se planta e não se colhe. Um fim. Um gosto. Uma solução para o problema. Biografia estilhaçada. Livros por ler. Paixão. O céu da minha boca.

Imagem: Amee Christian

22.9.11

precipício-princípio

do livro "Elefante-Rei: Poemas B"

Angelo lentamente encontra seus vestígios espedaçados de vida, como quem tropeça ao caminhar. Após o tropeço, uma pausa, o corpo se imobiliza para ver a elevação na calçada ou a pedra culpada do possível tombo. No parar para crer há uma percepção arredia: eu sou assim, eu quase caí. O pensamento é guilhotina entre os segundos de um minuto - na incompatibilidade de um dia interpretado. No grande mar dos fatos, situações reincidentes são ondas sedentas, mas ele, que não é bobo, mergulha no mar, provando-lhe o salgado com caretas de asco.

14.9.11

Kate Moss destruiu todo o meu veneno

e eu imaginei doses cavalares de sonhos eróticos enquanto nos encostávamos no muro e eu sentia a pressão daquele corpo - em particular o detalhe de maior importância (paradisíaco). hoje é uma terça-feira onde me expresso através do silêncio da palavra após palavra versus os animais que copulam durante a eterna foice de nossos rostos. você não me entende, mas me surpreendo super bem. a elucidação da prática e dos membros sexuais tão próximos e tão nucleares. em qual noite esquálida você se identifica e compromete? a boca, delícia preenchida, jorra carne e nervos num líquido de transparência - em alguns casos emudece até as rugas do tempo.
[texto extraído do meu querido novo tumblr: Kate Moss destruiu todo o meu veneno]

9.9.11

vigésimo sexto sol do divórcio

A vaidade condiz,
nela propicio meu precipício em princípios,
a primeira mão como a última a aplaudir.

Desaprendi maneiras: educada longa busca,
a arte de expor o sexo alheio aos meus olhos,
e devorar receios nas noites em que os brilhos cegam,
cospem, maltratam.

Quisera ter sido, procurar ou procurando,
nesga de presença que se afasta,
e eu, encostado à parede, com o peito a descoberto.

Se me perguntam com qual cor pintar o corpo,
hei de perceber os dedos intactos,
carne imaculada na multiplicidade de tintas,
orgulho contra paredes em branco,
terreno erguido para que o ator seja homem,
e eu intérprete.

Enquanto estamos de frente,
do alto de um prédio ou do chão trilha passageira,
sussurro a favor do desejo,
mas a resposta são as cabines do banheiro superlotadas.

Chorar no teu ombro sob influência das drogas,
lembrar do que é quadrado: a cama,
a vigésima sexta lua do divórcio,
afinal quem insiste educa uma perda,
protege em silêncio o signo de Capricórnio.