23.11.11

W Magazine

Solícito, porém com as unhas esmaltadas.

Oh, quem ele poderia ser vestido de ela numa elegante roupa masculina? Teodoro Augustinho de Jesus, e suas longas pernas de homem enrugado aos quarenta, aparentando desejo ao consumir corpos de jovenzinhos saudáveis nas noites em que o medo de mais uma ilusão se edifica. Mas ser mulher e erradicar tantos pelos e músculos escondidos é tão complicado e desestimulante! Então para curar a fome, ele se imagina como o melhor amigo de Adolf Von Baeyer – o criador dos barbitúricos – e engole aos montes os comprimidos espalhados sobre a mesa.

– Hoy estoy sola! – Responde para a própria imagem diante do espelho como se desculpasse o próprio rosto desfigurado na maquiagem que despenca, sob o efeito do calor insustentável no Brasil.

Teodoro – que antes de se perceber como “ela” – havia enxergado antes te todas as crianças de sua idade, o que havia de tão volumoso entre as pernas dos homens. Desde então seu martírio criara impulso, e ele, corajoso, experimentava ávido a dor de não ter as sutilezas e as formas do corpo de uma mulher.

Aos quinze, fugira na boléia de um caminhão rumo à Big Apple: Teresina, capital do Piauí. Depois de anos de luta conseguira economizar o suficiente para comprar perucas, vestidos de costa nua – como os da Marylin – perfumes franceses originais, sandálias high heels, e um incontável número de quinquilharias capazes de salvá-lo do mundo injusto e do sexo equivocado que Deus ousara lhe presentear.

Neste pequeno conto, o passado de Teodoro não tem importância, seu futuro será o seu fim.

Mas é que de repente a solidão atual de sua casa não se encaixa em um novo capítulo de sua memória. Os minutos são rápidos quando se tem algo importante a dizer, Teodoro precisa revelar algo sublime, triunfante, antes que os comprimidos façam efeito. Mas nada acontece, o mundo não deixa de ser mundo, de repente não há calor, suas mãos tremem, os olhos perdem o brilho e os sonhos nada profetizam. Nem sequer uma companhia ao seu lado para dizer adeus, ou um beijo como despedida.

Lentamente caminha até a sala de estar e abre a porta principal, abre as janelas, acende as luzes. É o aviso para que saibam que ele estará morto, e será visto antes que seu corpo produza odores desagradáveis. No momento em que for encontrado no chão, será sua maior glória, pois entre tantas pessoas surpreendidas, haverá alguém a lamentar o seu fim, a sua decisão.

Mas antes disso, ele tem nas mãos um exemplar da W Magazine, e impetuoso, quase a lacrimejar, mas contendo seu desabamento, diz, em português mesmo:

 – Eu deveria estar na capa dessa revista!

8 comentários:

  1. ...se a cor for vermelho escarlate..., quem sabe?



    Bjkas

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  2. adoro a constituição dos fatos e o desenrolar das histórias dos seus textos {:
    bjs!

    http://despotandoarcoiris.blogspot.com/

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  3. "Mas ser mulher e erradicar tantos pelos e músculos escondidos é tão complicado e desestimulante!" oh, yeah.

    Olha, eu teria sido muito feliz se tivesse nascido homem... e, com certeza, desde pequeno teria gostado de outros homens... Mas teria sido daquelas escandalosas. Com shortinho, pêlos descoloridos e um saltão agulha. Não sei pq, mas as vezes parece que faria mais sentido.

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  4. "Solícito, porém com as unhas esmaltadas."

    Já começou com um poema?! Você humilha mesmo né, poeta? rsrrss

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  5. Bem interessante a história. Foi construida de modo peculiar. Muito bom.

    Abraço.

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  6. Boa noite...ele viveu a sombra da imagem de uma mulher que gostaria ter sido, capa de revista, unhas esmaltadas e solidão batendo a porta...Que triste...Não seria melhor ter assumido logo quem gostaria de ser? Enquanto jovem poderia ter vivido mais intensamente, agora, jaz, inês é morta...Adorei e me empolguei, desculpe...belo texto,forte mesmo, como forte e voce...Abraços

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  7. Obrigado, Simone. O interessante é que eu nunca havia pensado no que esse personagem poderia ter sido quando jovem. O texto foi escrito numa sensação boom. ;)

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  8. Adivinha quem está de volta... :)
    http://ummundodebolhas.blogspot.com/search/label/Tom%C3%A1s
    Acompanha a história do Tomás. :) decidi continuá-la...

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