26.1.14

IN EXTREMIS



Júlio,

Você não é Shakespeare sob a sombra de um casarão, mas eu ainda preciso escrever esta carta. Mais uma vez eu me perco na chuva, que saiu do nada, e corro pro mato. Machuco os pés nas pedras. Escuto um som de cachoeira como naquele documentário sobre a tribo de homens nus no lago. Com o presente, veio uma caixa simples de linda onde guardo o dinheiro do projeto, umas pulseiras, algumas fotos e o caderno de anotações. A megera daqui sou eu, e também o anjo que recolhe a poeira. Nem preciso comentar que ele esteve aqui, não perguntou por você, nem sequer reagiu ao meu cumprimento. No jantar eu nada concluí. As pessoas não se interessam. Da autoestrada reli duas histórias secretíssimas a respeito da genealogia proibida da família. Que não acredita, perde os olhos. Acredite. Saí para comprar cigarros e dei um tempo até você me telefonar de Barcelona e me matar de inveja. Ano que vem a viagem está marcada, nenhum amigo há de me comprometer com perguntas. Emily não respondeu aos recados, portanto lavamos nossas mãos. Devia ser proibido o amor que se torna incompreensível. Chorei baixinho às 11 da noite sem entender o motivo. Ingrid, Paulo, Giovana cantavam parabéns no exato minuto. Depois o homem babaca me criticou por eu ser apaixonado por Joyce. Quando me despeço, eles acreditam que houve algum inconveniente, me enchem de olhares, mas depois esquecem e dão gargalhadas. Só você partiu os corações que eu joguei na rua. Meus recursos se esvaíram e sou um rio secando. Encontrei a correspondência que mantive com a freira quando eu tinha 13, desde aquele momento ela ordenou que eu não me sentisse sozinho. Deus proclama uma lição, ela rabisca. No meu quarto, os livros formam um círculo ao redor da cama. Tudo ao contrário, tranco nos dentes os capítulos de cada obra. Depois durmo e penso que eu não deveria ter destruído a tua sorte. A polícia esteve aqui, menti sobre nosso real paradeiro.

Teu cúmplice,


Alberto.

21.1.14

GOOD NEWS, GOOD NEWS

Muitas pessoas têm me enviado mensagens e e-mails cobrando mais atualizações no blog. Eu mesmo quis postar alguma coisa dia desses, mas a falta de inspiração acabou falando mais alto – além da correria e da falta de tempo etc.

Mas além disso, esse meu “silêncio” se deve a um motivo que me deixou imensamente feliz. Dias atrás recebi uma proposta de uma editora e, finalmente, meu livro (que andei escrevendo por 2 anos) vai ser lançado esse ano!

Já assinei o contrato e hoje mesmo enviei. Queria deixar aqui registrado a minha alegria e o apoio de todos vocês, sempre fieis e curiosos sobre o que vem por aí.

Com o processo de escrita do livro (além da demora em publicá-lo) me tornei mais confiante e corajoso a respeito da minha própria escrita. É um livro bastante experimental, uma espécie de autoficção onde descrevi um pouco da realidade mundo-cão que a gente vive.

Outra grande alegria é que o Tadeu Sarmento, escritor que admiro muito, escreveu uma apresentação linda logo nas primeiras páginas.

Como virginiano neurótico, já tento controlar as expectativas e principalmente a ansiedade, afinal trata-se de algo muito importante pra mim.

Por enquanto é isso, qualquer novidade futura farei questão de compartilhar com vocês.


Um beijo e não me abandonem,

LaCarne xx 

10.1.14

SAID THE POET TO THE ANALYST

*Minha tradução livre de um dos meus poemas favoritos de Anne Sexton - essa mulher que me encanta e assombra.




DISSE A POETA AO ANALISTA

O meu interesse é a palavra. Palavras são como rótulos,
ou moedas, ou melhor, como enxames de abelhas.
Confesso sofrer pela origem das coisas;
como se as palavras fossem contadas iguais às abelhas mortas num sótão,
desprendidas de seus olhos amarelos e de suas asas secas.
Sempre acabo por esquecer como uma palavra é capaz de escolher
outra palavra, de educá-la, até que eu tenha algo a ser dito...
mas que não o disse.

O seu interesse é observar as minhas palavras. Mas eu
nada admito. Dou o melhor de mim, por exemplo,
quando escrevo um elogio à uma máquina de níqueis,
naquela noite em Nevada: narrando como a grande sorte
estalou os três sinos sobre a tela vencedora.
Mas se você disser que isso é algo que não o é,
eu enfraquecerei, recordando como minhas mãos soaram engraçadas
e ridículas e repletas 
de crença no dinheiro.



SAID THE POET TO THE ANALYST

My business is words. Words are like labels,
or coins, or better, like swarming bees 
I confess I am only broken by the sources of things; 
as if words were counted like dead bees in the attic, 
unbuckled from their yellow eyes and their dry wings. 
I must always forget who one words is able to pick 
out another, to manner another, until I have got 
somethhing I might have said… 
but did not. 

Your business is watching my words. But I 
admit nothing. I worth with my best, for instances, 
when I can write my praise for a nickel machine, 
that one night in Nevada: telling how the magic jackpot 
came clacking three bells out, over the lucky screen. 
But if you should say this is something it is not, 
then I grow weak, remembering how my hands felt funny 
and ridiculous and crowded with all 
the believing money. 

2.1.14

DATILOGRAFIA DO CORPO


eu só queria fotografar o céu nublado da cidade. pensar em você durante o networking. sabe-se lá onde eu estaria, engolindo um sorvete, ou nado tipo borboleta neste vale. a inspiração você trouxe no bolso, escondeu dentro da cueca, ousou filosofar contra o meu amor numa praia, rente aos amigos, o sol de 2013 que hoje partiu incrível. então sigo assim: águia presa no quarto, aganjú presa ao meu destino. mas eu nem me contento quando enxergo as tuas mãos que só querem beijo. nas mesas, eu me entrego ao primeiro sorriso, nunca ao primeiro rosto, sempre ao amor passageiro como cúmplice. aí eu fiz tudo pra você se interessar, discutir, errei por ceder, cedi por culpa do ping pong do desejo. ou não me importo se sou mulher febril, homem sem paraíso, criança maquiavélica. anna kurnikova manteria a cabeça erguida nesta passarela de causas tão frívolas, espécies sem dentes, rainhas destronadas, sanguessugas do corpo loucas por um verão menos arbitrário e carnal. nossa horrenda paixão em links pornográficos e sem rumo.