Júlio,
Você
não é Shakespeare sob a sombra de um casarão, mas eu ainda preciso escrever
esta carta. Mais uma vez eu me perco na chuva, que saiu do nada, e corro pro
mato. Machuco os pés nas pedras. Escuto um som de cachoeira como naquele
documentário sobre a tribo de homens nus no lago. Com o presente, veio uma
caixa simples de linda onde guardo o dinheiro do projeto, umas pulseiras,
algumas fotos e o caderno de anotações. A megera daqui sou eu, e também o anjo
que recolhe a poeira. Nem preciso comentar que ele esteve aqui, não perguntou
por você, nem sequer reagiu ao meu cumprimento. No jantar eu nada concluí. As
pessoas não se interessam. Da autoestrada reli duas histórias secretíssimas a
respeito da genealogia proibida da família. Que não acredita, perde os olhos.
Acredite. Saí para comprar cigarros e dei um tempo até você me telefonar de
Barcelona e me matar de inveja. Ano que vem a viagem está marcada, nenhum amigo
há de me comprometer com perguntas. Emily não respondeu aos recados, portanto
lavamos nossas mãos. Devia ser proibido o amor que se torna incompreensível.
Chorei baixinho às 11 da noite sem entender o motivo. Ingrid, Paulo, Giovana
cantavam parabéns no exato minuto. Depois o homem babaca me criticou por eu ser
apaixonado por Joyce. Quando me despeço, eles acreditam que houve algum
inconveniente, me enchem de olhares, mas depois esquecem e dão gargalhadas. Só
você partiu os corações que eu joguei na rua. Meus recursos se esvaíram e sou
um rio secando. Encontrei a correspondência que mantive com a freira quando eu
tinha 13, desde aquele momento ela ordenou que eu não me sentisse sozinho. Deus
proclama uma lição, ela rabisca. No meu quarto, os livros formam um círculo ao
redor da cama. Tudo ao contrário, tranco nos dentes os capítulos de cada obra.
Depois durmo e penso que eu não deveria ter destruído a tua sorte. A polícia
esteve aqui, menti sobre nosso real paradeiro.
Teu
cúmplice,
Alberto.
Oh céus, que lindo. Consegui imaginar todas as cenas de uma forma simplória e clara, ao mesmo tempo você consegue me fazer lembrar de coisas que também me atormentam, ou que dá vontade de escrever. Eu adoro cartas, são melancólicas e vulgares.
ResponderExcluirEstarei sempre por aqui esperando mais coisas para ler, rapaz
Cara que lindo! Fiquei arrepiada! Tão visual e visceral! Parabens pelo talento!
ResponderExcluirMe faz uma visita? Seus comentarios e criticas teriam grande valia!
http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2014/01/abbey-road.html
Belo texto, forte, profundo, reflexivo, apaixonado!
ResponderExcluirMarcas de sua escrita!
Grande abraço e sucesso!
De fato, visceral é uma boa palavra. Quando eu te leio, os olhos ganham uma força que salta em seguida pro coração e depois de absorver torna todo o interior maior.
ResponderExcluirTexto bom é quando me intriga. Foi o caso desse.
ResponderExcluirSensacional!
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