4.5.13

sobre ser escritor


Numa sexta-feira da vida eu estava com a querida Lola Aronovich (professora-inspiração, cabeça pensante, feminista e autora do blog Escreva Lola Escreva) em sala de aula, pois estávamos prestes a nos aprofundar no conto Theft de Katherine Ann Porter. Mas antes que a aula começasse, Lola, do nada, pediu que eu falasse sobre mim. Apesar da surpresa, esbocei algumas frases soltas a respeito do pseudônimo LaCarne, sobre o meu blog, e que além disso eu sou uma pessoa que escreve. Então ela perguntou sobre quais temas eu abordava. Ainda envergonhado falei que costumo escrever sobre a noite, os amores, os ex-amores, os pés na bunda, os boys, sobre a cidade – tudo voltado num tom poético-catastrófico da vida. A timidez foi tão grande que nem citei que já tive livro lançado e participação de coletânea. Aí me veio na cabeça a grande questão do que é ser considerado escritor, pois no Brasil as pessoas não levam isso a sério. A ignorância pode ser tão constrangedora que em determinadas situações há quem ria da sua cara, afinal, segundo eles, escritor tem que ganhar dinheiro e viver disso – caso contrário, você é mais um ser pedante ou a pessoa mais irrelevante do mundo.

A questão é, quem escreve (independente dos meios ou plataformas onde seu trabalho é publicado) é sim um escritor. É bem verdade que são poucos os que sobrevivem da produção literária no Brasil – enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, um autor de bestseller fatura uma baita grana e garante seu pezinho de meia.  Aqui as pessoas não leem, o ensino público é defasado, e a gente vive numa realidade problemática onde questões de vida e morte precisam ser resolvidas. Caio Fernando Abreu disse numa entrevista que as pessoas no Brasil não precisam de literatura, e sim de arroz e feijão. Isso também é uma verdade. Mas independente de temas mais ou menos urgentes, é preciso respeito, informação, educação.

Por vários momentos cruzei com pessoas interessadas em saber mais sobre os meus escritos, enquanto eu mantinha aquele ar constrangido de desconfiança; como se eu não acreditasse em mim, como se eu não enxergasse a relevância do meu ato criativo – mesmo inserido num país onde pessoas morrem de fome por falta de arroz e feijão, onde não há formação de jovens futuros leitores, onde a violência grita cada vez que você põe as fuças fora de casa, onde Felicianos da vida promovem o ódio, o preconceito, a repressão, a falcatrua, a cura-gay.

Então um grande amigo uma vez disse que eu deveria defender com unhas e dentes o que eu sou (isso serve para todas as esferas da vida) e o que produzo. Não sou jornalista, nem publicitário, nem it-boy, nem filhinho de papai, não trabalho com moda, e sou mais um entre os que não sobrevivem da literatura nesse país. A minha formação em Letras numa das melhores universidades públicas do país, garante que eu trabalhe com o que mais gosto e me identifico: a educação. Além disso posso exercer o meu papel de profissional e cidadão (além da revolta contra o sistema), que é fazer o diferencial em sala de aula, contribuindo com o que aprendi através da vida e dos livros para que os meus alunos do ensino público exerçam o senso crítico.

Esse desabafo-explicação é o meu posicionamento diante do universo, dos sonhos, das certezas, das críticas e da realidade. E mais uma vez: o que é do homem o bicho não come. Boto fé em mim, em você, no mundo. E no seu amor.

23 comentários:

  1. Passei uns dois minutos tentando sintetizar uma forma de te elogiar pelo texto, não consegui. Só digo que textos honestos, como esse, são o que tornam alguns escritores eternos E atemporais. Quebrou tudo! Rocked on!

    ResponderExcluir
  2. Porra, Antônio, que texto lindo e incrivelmente lúcido.

    ResponderExcluir
  3. Ser professor, ser escritor, é preciso mesmo afirmar isso, Antônio. É bom que nos declaremos escritores, professores, são belos ofícios. O meu também é ser professora e também gosto de falar sobre essa escolha. Bom, também voltei por aqui. Bom voltar. Abraço!

    ResponderExcluir
  4. Você dá inspiração, espero que saiba disso ;*

    ResponderExcluir
  5. Oii Antônio, concordo. Ness país os jovens preferem beber, usar drogas e matar ao invés de estudar, e ler um livro, e ser alguém de bom na vida =s
    Triste, só isso que acho.E vergonhoso.

    ResponderExcluir
  6. Antonio é tão triste não ter com quem comentar sobre literatura com as pessoas que me rodeiam, elas não tem culpa, e não é questão de culpa, mas simplesmente ninguém que tenho contato quase diário, ou seja o povo do meu trabalho, que inclusive tem gente fazendo curso que exige leitura como exemplo direito (embora técnica) e o povo da academia, o povo que conheço por acaso em algum barzinho ou praia, ninguém ler, meus parentes. Eu pergunto você gosta de literatura? A resposta é sempre ou mais ou menos que siginifica não ou não mesmo, ou gosta e não ler, anda sem tempo. Então amigos com quem posso discutir literatura ou jogar papo fora sobre se resumi aos amigos cibernéticos. Um em Alagoas, outro em Sergipe, outro em Santa Catarina, você quando nos vemos dificilmente devido ao caos da Fortaleza, rsrsrrs. Bom, mas torço que isso mude, porque é sublime ler literatura.

    ResponderExcluir
  7. A parte do incrivelmente lúcido é verdade.

    No Direito, a graduação que escolhi, para aqueles que seguem uma corrente mais humanista estamos sempre nos questionamos sobre “uma vida que vale a pena ser vivida”, acredite ou não, nesse emaranhado de leis e punições há quem se preocupe com a função do direito em propiciar condições mínimas do indivíduo ser, de fato, humano. É o que nós chamamos de “mínimo existencial”. A educação é um mínimo existencial e, aqui em Minas, estamos sendo sufocados com a propaganda-promessa de o governo tentar alfabetizar as crianças até os OITO anos. Fico alarmada. Estudei no ensino público estadual praticamente todo o fundamental (até a 7°) e já lia aos CINCO anos.

    Desde criança a única coisa que queria era escrever. Meus textos sempre foram elogiados pelos melhores professores que nunca encontrei nas escolas particulares que posteriormente estudei. Eles sabiam das dificuldades de muitos dos meus colegas que na hora do intervalo fariam a sua única refeição diária. E que alguns sequer chegaram ao fim do fundamental, então nos incentivavam o máximo que podiam.

    A biblioteca da minha escola ficava aberta o tempo todo. Se o meu horário era vespertino, nada me impedia de tocar a campainha pela manhã e pegar um livro, inclusive ficar por ali, não tinha “leitura apropriada”. Era uma salinha improvisada que com os livros, não cabiam 10 pessoas.

    Essa escola promovia gincanas para arrecadar alimentos, roupas, materiais recicláveis (...) e tudo era doado para as famílias dos alunos mais carentes, outra parte era usada na melhoria da merenda da escola. E como me diverti nessa época.

    Sob protestos, de alguns pais (porque nós alunos adoramos), com 12 anos assistimos uma série de palestras sobre sexualidade, ganhei até camisinhas, porque meninas da minha turma já estavam começando a engravidar. Não engravidei.

    Foi promovendo um concurso em toda escola para eleger alunos que desenhariam em toda extensão de muros da escola que a direção acabou com as pichações e descobri que uma amiga desenhava genialmente e sem sequer ter frequentado uma única aula de desenho. E sempre ganhou sua parte do muro, até que saiu na sétima série pra trabalhar.

    Foi da mesma forma comigo, descobri que podia escrever num concurso para eleger uma peça de teatro para o dia das mães, na quinta série, e minha mãe não pode assistir porque trabalhava como doméstica e não havia nenhuma lei que dissesse aos patrões dela que um salário mínimo não pode tirar o sábado dela com seus filhos. Não tive um único sábado com minha mãe até ela terminar os estudos, já com 30 e poucos anos e conseguisse outro emprego com algum direito.

    Acho muito lindo que os sonhos comecem pequenos e nós podermos chegar aonde quisermos desde que para isso tenhamos nos esforçado. Nos livros. A realidade é outra, já que alguns sequer têm oportunidade de poder tentar. E se tive realmente algum talento, se é que precisa ter talento para escrever, ele se perdeu. Hoje escrevo porque é bom, é saudável e me traz à lembrança o coração rosa que minha professora Rosangela, na quarta série, colou no meu caderno, bem no dia do meu aniversário, escrito assim: garota de sorte. Lembro também da minha mãe sorrindo, depois de ter passado as maiores humilhações diariamente nas casas em que trabalhou, lendo recados que minhas professoras deixavam no meu caderno de dever sobre minhas realizações, meus textos.

    ResponderExcluir
  8. A escola perde mais do que talentos, ela perde pessoas. Perdi amigos para o tráfico, para a criminalidade, para as famílias mal planejadas.

    Quando conto essas histórias e outras para alguns colegas discentes da faculdade eles dizem que “não existe uma escola assim”. Saí chorando dessa escola, porque ela só atendia o fundamental. Nunca tive professores como aqueles. Nunca tive outra Tia da Cantina. Uma supervisora que soubesse o meu nome e perguntasse sobre a minha família, a minha casa.

    Meus professores de faculdade estão cansados. Passam anos e anos estudando, se aperfeiçoando, estudando no exterior, voltam pra cá, ganhando uma merreca, trabalhar com pesquisa no Brasil é triste. E é isso que eu quero: trabalhar com pesquisa e educação.

    Saí do foco do seu texto, bem.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. tô aqui emocionado com o teu comentário e ao mesmo tempo feliz por você ter tido um destino diferente do contexto vivido até então. tudo o que você falou é a mais pura verdade. se a gente olhar pra educação e se intimidar com todos os problemas que ela enfrenta, acabaríamos por ceder por completo. no meu caso, e no nosso caso, toda e qualquer diferença válida será benéfica, pois sempre há esperança. muito obrigado, froide. :)

      Excluir
  9. Minhas discordâncias são tão mínimas que nem vou pontuar. Muito bom teu texto.

    ResponderExcluir
  10. "Por vários momentos cruzei com pessoas interessadas em saber mais sobre os meus escritos, enquanto eu mantinha aquele ar constrangido de desconfiança; como se eu não acreditasse em mim, como se eu não enxergasse a relevância do meu ato criativo" - essa parte do seu texto definiu o que eu sinto muitas vezes.
    Na verdade, preciso dizer que o que você escreveu fez com que eu me sentisse mais escritora, e por essas e outras, eu adorei.

    ResponderExcluir
  11. entendo vc totalmente ,DDD

    ResponderExcluir
  12. você já teve livro lançado, e eu nem sabia disso!!!
    pra você ver né... pra você ver o quanto você mesmo precisa se orgulhar do que faz! ora mais!
    ai, Antônio, isso que o teu amigo te falou é uma verdade que você precisa absorver profundamente (e rápido, porque o tempo passa...)
    esqueça o julgamento alheio e viva a realidade do que você é, sem precisar de aplausos. não existe liberdade maior: ser o que se é para si mesmo.

    ResponderExcluir
  13. Pois é bem isso. A gente precisa defender mais quem é. Acreditar mais em quem é. Em nós mesmos. Também cursei Letras, e foi lá que comprovei que não tenho talento pra trabalhar com educação. Mas dou total apoio a quem o faz.

    um beijo

    ResponderExcluir
  14. Me esqueci o nome do "efeito", então chamarei de coincidência (odeio esta palavra!): após ter visto o documentário sobre humoristas (com a Lola Aronovich), passo pelo teu blog e tu escreve sobre ela... Não é louco? Quase todo o dia me sinto drogado pelo destino e me pego pensando o que me levou a fazer tais coisas que me puseram no lugar onde eu estou.

    Enfim, eu odeio falar que possuo blog (mesmo tendo orgulho dele) isso gera uma exposição tão grande que se eu pensasse: "agora estou escrevendo um post que o mundo inteiro pode ter acesso" eu não teria blog algum.

    Palavras são os pensamentos no estado concreto e, por motivo que não direi aqui, tenho medo delas (mas como tudo que acompanha o medo, também sinto prazer).

    Abraços!

    ResponderExcluir
  15. O "SER" -escritor, principalmente, me parece - é uma maldição quase impossível de se superar.

    Belo texto!

    ResponderExcluir
  16. Querido LaCarne, adorei o que acabo de ler, diferente dos textos que até então descobri aqui, não menos vigoroso ou impactante, mas de uma sinceridade cortante, viceral... és escritor sim, aliás gostei desse amigo teu que disse que se deve lutar com unhas e dentes para defender o que acreditamos. Esta é nossa realidade, num país de analfabetos funcionais, de ignorantes culturais, enfim, nesse caldeirão de desgraça que é este país (muito negativo, né ?). Aliás isso é prato cheio para se escrever rs.
    Desde quando estive aqui pela primeira vez, teu terxto me fascinou, é criativo, muito bem escrito, e tem um grau de dificuldade (para mim) que me atrai e me faz pensar, tentar entender, e com isso, eu é que ganho.
    Tu que flaste, e eu adorei o 'tom poético - catastrófico da vida'. Adorei também, a citação de Caio Fernando Abreu. meu escritor favorito. Meu caro LaCarne, sempre surpreendo-me com o que leio aqui.
    ps. Meu carinho meu respeito meu abraço.

    ResponderExcluir
  17. Antônio, eu jurava que você tinha uns vinte anos no máximo e como assim já é formado, trabalha na área e tem livro publicado?! Meus parabéns, cara!
    Um dia chego lá :)

    ResponderExcluir
  18. Parece que estamos todos no mesmo país, em matéria de EDUCAÇÃO. Dificuldades e mais dificuldades.
    Os governos não investem na educação e é a educação e a cultura, que pode melhorar um país.
    Há muito por fazer.
    Boa noite

    ResponderExcluir
  19. querido antônio, que barco é esse que nós nos metemos?
    fazer letras, ser professor, escrever por aí.
    eu sempre penso que eu gostaria de ser como aquele cara, nicholas sparks, e escrever esses livros que vendem horrores e pronto, fazer o que eu realmente gosto com o dinheiro. é uma chance, talvez, não aqui.
    obrigada por esse desabafo, por essa chance.

    ResponderExcluir