Calculando, nobre Ângelo, o número exato de
quadriláteros no chão de casa. As poucas visitas na memória. Assim é o buraco,
aproxime a cabeça e verás um espelho no fundo do lago. Não minto quando digo
que a tua cabeça é mais bela, mas se o pudor persistir lanço meu melhor
conselho: não beba, fume seus cigarros e qualquer palavra mal dita ecoará nas
semanas futuras. Temos que manter cautela, os buracos escorregadios nos espreitam.
Caindo, o que acontece? O buraco sugará nossas roupas? A visão de fim de jogo
nos acompanha, fingimos antipatia, conhecemos pessoas interessantes. Mas o mais
bêbado dos ladrões diz que nos deslumbramos com as novas ramagens. Não é
pecado. Somos ursos polares buscando frio no grande sol de uma noite dançante.
Quem nos vê não vai embora, quem parte pra longe luta contra a insônia. Eu
deveria ter lutado contra o buraco, por isso transformei moedas em carvão. Meu
corpo é uma paisagem de grama narrada pelos seguidores do profeta morto. Não
deixei nenhum escrito para a posteridade de estantes. Os adeptos desta
filosofia ouvem, com as mãos no queixo, as parábolas de quem não me impede de
humanizar o buraco.
Meu
horror: baixa imunidade no pensamento de luta. Diante da enxurrada de
informações forçadas tive que invadir a conversa alheia, só assim eu teria
motivo para ser visto – e na melhor das hipóteses, admirado por quebrar a
falsidade de convidado em casa estranha. No primeiro rosto a rosto um copo
caído, derramando cerveja nas vestimentas ricamente limpas: banho nas partes
íntimas.
No
urro, e no inchaço, caro Ângelo, o animal se recompõe para a próxima mordida.
Prometeram-me distância ancorada no baú de objetos pontiagudos. Sangue ferindo
o mundo, criação da cor vermelha. Tornei-me pedra no chão: pedaço de concreto
frágil – suculento para um fluxo de perdas. Homem algum dizendo: tu não serás
monumento. É Ângelo quem maquia a minha memória. Dinamite: comparação com a
potência de motores de carros. O automóvel atinge o muro, o buraco se fecha.
vamos por partes, meu caro Watson.
ResponderExcluir1) "não beba, fume seus cigarros e qualquer palavra mal dita ecoará nas semanas futuras"
- sei muito bem o que é isso. a arte de futricar a vida alheia, mesmo que o "alheio" esteja inerte, é muito atraente ao ser humano {pobre de espírito}
2) "quem parte pra longe luta contra a insônia. Eu deveria ter lutado contra o buraco, por isso transformei moedas em carvão"
- pois então, que vivamos como carvão
3) "Meu corpo é uma paisagem de grama narrada pelos seguidores do profeta morto"
- não mesmo {a não ser que o profeta morto seja você mesmo}
fan-tás-ti-co. tragédia social morderna. na escrita pós-moderna.
análise mais perfeita,impossível, amiga. :)
Excluira tragicomédia dos nossos dias, dava peça de teatro...
ResponderExcluir[nem sempre encontro um mar onde navegar, aqui sinto que sei por onde viajar]
beijo
Concordo totalmente!
Excluirconcordo também.
Excluirnão é à toa que viram teatro MESMO.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrimeira vez no blog (ao menos, que eu me lembre). Curti. Gostei do texto carregado de metáforas. A lógica me diz que você descreve um personagem deslocado.Talvez envolto no manto inseguro que o mundo oferece.Vai saber...
ResponderExcluir@blogabs
Blog Emilie
Escreve
no final das contas é só aquilo: quem te garante que o que você é, é o que outro espera de você?
ResponderExcluirO espelho não revela a bagunça dos nossos cômodos.
ResponderExcluirTodos os buracos da vida moderna estão agora rebocados em seu texto.
É Fantástico!
thanks
Excluir'O espelho não revela a bagunça dos nossos cômodos.'
ResponderExcluirera isso mesmo que eu pensava! isso mesmo.
o anderson disse tudo!
Tanto acho que o espelho revela a bagunça, como também faz ela parecer muito maior. Basta olhar direito. Bem profundo, atras dos reflexos disfarçados só por fora. A poeira esta toda embaixo do tapete, e ninguém ver... E isso se prolonga pra tudo, não apenas pro que guardamos dentro da gente...
ResponderExcluirBelo post, visitei e agora permaneço. +ff
Até breve; Sem Guarda-Chuvas
Antonio, eu estou casada, em um relacionamento aberto apenas para as possibilidades existentes dentro dele. De forma que ir sozinha à uma boate gay (daqui de Salvador) implicaria em, possivelmente, sair de lá acompanhada de outra pessoa, provavelmente do mesmo sexo que eu.
ResponderExcluirNão tive pretensão de ofender ninguém, até porque, tenho muitos amigos homossexuais e não sou o tipo de mulher besta que adora adjetivar o amigo gay de "amigo gay", como se ele nada mais fosse além disso. Fora o fato de que gosto de boates com temática gay. Quando trabalhei como modelo, passei dois anos fazendo editoriais e propagandas para uma dessas boates, situadas no bairro do Rio Vermelho. Hoje, quem sustenta e anima o Rio Vermelho são as boates dessa temática, o que é ótimo, mas também uma pena pela ausência de diversidade. Por exemplo: lá tinha uma boate que tocava MPB e servia cafezinho, estilo botequim. E as boates com temática gay tem muita musica eletrônica e muito colorido bacana, mas às vezes eu não estou nesse clima, compreende?
Perdão se você se sentiu mal com isso. Eu gosto muito de ler o que você escreve e não foi a minha intenção.
Por favor, mande resposta. Abraços.
O espelho do lago deforma o rosto, ainda mais quando a queda o deixa trêmulo.
ResponderExcluirObrigada pela visita e pela oportunidade de conhecer seu espaço. :)
Um abraço!
Texto incrível, Antonio! E super me identifiquei. Adorei tudo que você disse e da forma como disse: "Tornei-me pedra no chão: pedaço de concreto frágil – suculento para um fluxo de perdas".
ResponderExcluirBjo grande!