Quando calças de couro em tons metálicos superam crises antológicas de abstinência no momento em que:
a) Sua concepção de afeto devora o sexo alheio numa fome de osso, tendão e volume sob o jeans;
b) Ibiza é um sonho hipocondríaco em pleno desacordo com a sua conta bancária;
c) Aos cinco anos eu imaginava ser Jesus Cristo;
d) Aquele silêncio desagradável enquanto somos quatro dentro de um elevador.
Eu havia consumido um certo caos preso aos eternos muros intransponíveis do absurdo. Havia encarado o espelho e um puto descontrole emocional cujo culpado é o tempo. Vinte e tantos anos sobre o precipício – luta sanguinária contra as árvores infrutíferas de todos nós, incompetentes com a vida, viventes esquálidos do luxo, luxo, lixo – salve Augusto de Campos – e eu sob os ecos da penetração tardia a me iludir fantasiosamente enquanto nos lambíamos numa delícia total, quiçá concretista?
Os grandes olhos parados, omissos. Eu reverberando culpas, cigarros numerosos, as comparações extremas com o outro – ovelha negra da falta de razão quando não há razão. Decidi juntar os vinténs e me proporcionar mesa de bar antes que o dia exiba seu punho em revelia e eu cruze o Atlântico rumo ao far away from home, mas sem nenhum nó preso à garganta.
Nas horas em que nenhuma beleza é terna, junto os cacos, corrompo companhias familiares e organizo a memória do filho da puta em questão para que ele descanse em paz, que engula em dobro a angústia aqui (jamais) retratada. Obsessão, gota por gota. A inimiga que sabe quem eu sou, acompanhada demais enquanto não perco tempo.
As bebedeiras, os dias, as noites, o dinheiro gasto, tudo isso me faz lembrar tal displicência em relação ao outro; falta de educação e tato, uma quase confiança travestida de falso altruísmo gritante: revelação de desequilíbrio que pula das órbitas. Pobres de nós, mortais, seres de um mundo que caiu no esquecimento. Com um teor alcoólico mediano, após mesa de bar, afirmo aquela verdade que diz: estamos sós no mesmo barco, cada um por si, não conte comigo, estarei sozinho com a minha cabeça sobre o travesseiro.
Acendi outro cigarro, querida. Abandonei uma festa muito antes de sair de casa; é que as pernas cansadas e os olhos de sonos seculares me impossibilitaram mastigar diálogos com personas momentâneas em êxtase. No meu quarto sou vivo e tenho voz. Eu havia pintado no rosto de alguém um inimigo gratuito, mas acabei simpatizando com ele. Eu, que não guardo rancores e ao experimentar o prato frio da vingança, não encontro cor em sentimento tão banal – mesmo com o peito a descoberto. O que vos escrevo é apenas uma dose de emancipação doméstica. Cedinho, de pé, rumo ao ganha pão. Tarde da noite, de volta, estou presente na capital subdesenvolvida: realidade que nos pertence, sem fugas, meandros – tornando plástica a memória e as frustrações bem resolvidas (e aniquiladas) dos deuses semanais de salvação.
Não cito nomes por pudor que me trará arrependimentos. Então esqueço a seleção musical para corações desajustados. Tranco as portas, reinicio a lembrança de quem aqui esteve, partiu e foi embora. Já não me aproximo. Escuto ao longe os comentários venenosos. Sob a névoa fugaz da dança, o monstrinho cuspiu na própria face, erradicou retribuições amorosas e encerrou o assunto. Durante a dança ele me observa. Não devo prenunciar outro tapa na cara, meu sonho, talvez em vão, não se redime com mãos zombeteiras em direção ao céu. Céu de lápide, carnívoro.
Punho Totalitário desabotoou a calça jeans de Lua Estridente e corrompeu suas nádegas durante vinte e dois tenros minutos. Em seguida cuspiu sangue para que os homens de sua espécie não ousassem profanar o que é santo, casto, imantado. Dormi tranquilo com os olhos fixos na parede azul do quarto. Sensação ambígua até a próxima puta festa.
Resguardei os símbolos bem perto de você – neste terceiro dia em que me encontras sem uma palavra no bico. Quando estou só o tempo vivencia estas imagens do que eu seria antes de te escrever cartas. É que durante o sono desarrumei os talheres sobre a mesa. Não esperei você voltar da grande viagem que me fez perder as contas de tardes lúgubres sobre este espaldar. Reflito anonimamente, mas buscando meu nome antes do teu, só assim sou sincero antes do bote. O frio também é lápide na lata do lixo, esqueço o frio e a aurora campestre, pois em suma, tudo é um diálogo de anos.
Confiei em você, mas tratei de expelir a fumaça o quanto antes. Preciso dar uma voltinha por cima enquanto você está aí, sozinho, culpado – reconheço as ilusões e delas retribuo com o meu desinteresse mastigado, afinal já não há mais propósito nos cumprimentos.
Bom dia...me deixaste com um certo ar de culpa...poxa! Descreveste bem estes momentos sem dar os nomes aos bois, mas fiquei intrigada...ser ou nao ser, alguem ou mais um ser perdido embolado por essa sociedade hipocrita e mesquinha, ser ou nao ser, empurrado precipicio abaixo em nossos delirios, devaneios ou simples sonhos, de pequenos momentos em puro extase de felicidade...entorpecidos nessa vida ambigua e fabricada para quem pode e tem mais...amei teu texto, sublime e vero!! Real!! abraços
ResponderExcluirAntônio,
ResponderExcluirEm sintonia então... Eu acordei com essa frase na cabeça e essa sensação no coração...
O dia está cinza....
Mas há de passar...
A Ti, meu enorme abraço,
Bom domingo,
Bjs
Olá Antônio! A vida só é boa devido aos seus altos e baixos, se tudo fosse como nós quiséssemos, a mesma passaria a ser monótona, e assim, acredito, não teria a menor graça. O amanhã será sempre um outro dia.
ResponderExcluirAbraços e ótimo domingo pra ti e para os teus.
Furtado.
PS. Tive problemas com o PC, mas acho que já está tudo bem.
Dói em mim.Será assim.Sempre. Um beijo carinhoso
ResponderExcluirJoana Rosa K
"Abandonei uma festa muito antes de sair de casa; é que as pernas cansadas e os olhos de sonos seculares me impossibilitaram mastigar diálogos com personas momentâneas em êxtase." me identifiquei totalmente!
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