Há pouco mais de dois anos, em abril de 2009, saiu meu primeiro livro de prosa-poética com o título de Elefante-Rei: Poemas B (quando eu ainda usava o nome de Antônio Alves Neto). Foi uma edição minúscula & o meu intuito não foi o de criar muito alarde, pois em todos os textos do livro, mantive o posicionamento/atmosfera extremamente confessional. Ao meu ver & orgulho, pude concretizar minha primeira manifestação artística: uma pequena obra de arte às escuras, sem pretensão & com a dignidade de um mero amador com um leque de idéias poéticas na cabeça. Por algum tempo quis me afastar completamente do livro, mudei a alcunha para Antônio LaCarne & hoje estou aqui a memorizar o que um dia fui. Relembrar faz parte da vida.
Paralelo Desigual
Intacto é um muro de pedras, e depois de mim vem o poço. O buraco no muro é um silêncio morto. Cumprimentem o primeiro sol, deitarei na cama para esticar os ossos e a visão do teto será a única paisagem. Sou autorizado a ter dois olhos míopes, mas alguém ao meu lado ousa dizer: "isso nunca será de sua posse".
Reconstruo a farsa: cumprimentem a segunda casa, as paredes do quarto estarão impressas nos pedaços de madeira das portas, na areia presa ao meu sapato. Ouça então um grito, não se trata de horror, é gemido agressivo, carta de alforria ao escravo livre.
Eles permitem que eu veja a palma de uma mão. Eles permitem que eu vá embora. Se volto, eu perco. Se continuo, estaco. Chorar é um vazio que o organismo rejeita. São raras as noites de frio, e o lençol é um manto devastador para os minutos de corpo-a-corpo.
Mantive meu segredo. Meus pés descalços confortavam as raízes das árvores. Num esconderijo recém descoberto fumei cigarros. Sou Antônio entre quinas e rodapés. Ao ruim do gosto tomo-lhe as pálpebras. Despeço-me do trem anunciando sua fuga: máquina veloz correndo indiferente.
Eis que transtornado exibo um rosto plastificado. No meio de uma surpresa doméstica somos cobras falantes, não temos gesto e o futuro nos desune. Nossas carcaças vivas abduzem mortes corriqueiras. Somos considerados culpados: vastidão transfigurada no anseio de um pedido. Eu, sem os adornos que escondem uma vergonha.
Aos poucos me distancio e me aproximo de mim mesmo. Perderás o medo em um dia de vida. Cobriremos o terceiro sexo com um possível terceiro braço.
Em revolta quebro as lápides que sustentam o alvo. Ao fazer uma pergunta perco toda a essência. Ser translúcido para conquistar o amor. Mas o que eu quero é um amor côncavo.
Aos poucos me distancio e me aproximo de mim mesmo. Aos poucos me reconheço.