25.10.13

BOYFRIEND


carinho,
me resgatou do buraco, das barras, das putas mágoas de bêbado apaixonado – sou um bruxo antes dos trinta & não te absolvo por me abandonar antes do segundo beijo, como se eu fosse uma cadela esfomeada, doida por pau, segredo & literatura.
penso nos trópicos, na meia dúzia de bananas: um pingo de sensibilidade longe da tua zona de conforto  –  olhar de pantera mascarado por fluxos de escuridão, quando dei adeus às sleeping pills & enchi a cara numa compensação difícil.
nem porra, nem puta – você criou asas enquanto eu despencava do meu próprio andar de um metro & oitenta, então resolvi escrever um livro sobre a pós-modernidade que oprime, deprime & que não manda flores no dia seguinte.
amei você quando não havia sol ou pudor.
espinhos, cristais escondidos, falésias: coração comparado às andorinhas da paixão universal.
mantive os diários sob o poder das gavetas. mutilação das linhas de expressão quando sonhei com o ator pornô húngaro a me livrar da frigidez numa cama chinfrim de motel  pago com o limite do meu cartão de crédito.
escolhemos a suíte pole dance com hidro & demarquei cada centímetro com a língua, olhos, nádegas em profusão – depois fui embora com um sorriso de viúva alegre estampado nas fuças.
o lado b do amor tão obscuro, vendendo meu próprio peixe para que você me ame, ou na pior das hipóteses, desmembrar as vértebras do meu prazer em ambientes dominados por cães na sarjeta & dignidade na estratosfera.
mas pago o preço, encaro as duas faces da moeda & planejo cada passo na alcova.
os quadriláteros do abandono estão aqui representados, dançamos ao som do jazz diante dos canteiros centrais & das vias expressas não plastificadas.
resta-me rasgar as tuas pernas, queixo, memória & afeto aos frangalhos: tiro de espingarda no coração. aí o clima esquenta & sou obrigado a me desfazer das histórias onde interpretei megeras, datilógrafas ninfomaníacas, divas abandonadas.
me livro do luxo, da intelectualidade & do frio.
telefono para dr. salomão que me atende entorpecido de recusa. ele diz que já fomos longe demais no tratamento, não há cura possível. ele então prescreve doses cavalares de um medicamento cujo rótulo exibe fogo ao redor da boca, boca ao redor do fogo. tomo dois comprimidos sem pestanejar.
dr. salomão sorri, glamouroso – segurando a bengala importada do egito.
como pagamento, ele me estapeia a bunda.
& pairo num terceiro andar de um corredor às quatro & trinta & sete no calor insustentável do brasil.
(você precisa abrir os olhos).
mas você me observa reticente & o combustível do momento é o pensamento claustrofóbico & oscilante naquele quarto úmido de motel.

pole dance com hidro, lembra?

as fomes que não se descosturam.
busco fôlego para materializar o livro.
arbustos, jarros, sombra & coração impecável para as consequências.
você que me culpa & que não me explora os olhos, os ossos do ofício, os gatos abandonados, o gato por lebre.
tudo em vão como um lábio superior desenhado sem esmero na pintura.
& diante do ex-amante proponho um batuque, um samba, uma pausa na coreografia. tomo mais um gole do perigo que eu mesmo interpretei.
da janela, fotografo as luzes esparsas do centro da cidade.
projeto: obsessão, terror & glória.
25 de fevereiro de um ano qualquer:
a vida é um fist fucking cravejado de diamantes pontiagudos.

*Texto originalmente publicado na edição 4 da Revista Geni

19.10.13

A HISTÓRIA DO CU

Texto revolta manifestação íngreme. Mil mortes no decorrer do tempo. O cu que prolifera, insiste, reclama de teimosia. Você é um monstro, ou libélula depois do dilúvio. Morre sempre ao entardecer, não pede desculpas. Cheque milionário em barras de ouro. O cu é o poder. O cu não é o poder. A contemporaneidade do cu, gata. Uma armadilha que você mete o dedo e imagina um pau imenso. Autoexposição que não importa, pois ninguém aqui é mestre, entidade, rainha de bateria, princesa luxuosa, puta de esquina, trapezista cega. Morro de vergonha de nós, inclusive. Intelectualidade de sofá, bom mocismo de sofá, heterossexualidade de sofá, beleza de sofá, relevância de sofá. O sofá que suporta o teu coração-cu do mundo. Todos somos seres bizarros e você tem o cu maior da estratosfera. O meu cu é o x da questão, não tenho medo, pasmo de horror, profundidade rasa, pele de pêssego, coito anal, linha reta retardatária, o reto. Lembra então daquele boy fantasiado de pantera? Lembra então do beijinho doce no espelho enquanto você desmascarava o cu como naquele filme do cineasta famoso que não sei ao certo porque sou burro? Eles só falam e piscam os olhos por motivos relacionados aos paus, aos pelos, aos cus, aos músculos, ao que não condena, ao que apenas cola. No entanto o cu é um beijo, uma forma de dissociação. A recusa do meu cu e suas pregas. Todas as pregas da humanidade. I´m not ashamed to say it out loud. As minhas contas continuam aqui, vencimento do cartão de crédito dia 5, vencimento da conta de telefone dia 2. Preciso urgentemente fazer um retiro íntimo, confessei ao amigo drogado e artista, pessoa agradabilíssima, sincera, magra e desmedida. Você nunca imaginou um orgasmo aos olhos de um cão. O cu de um cão é o terceiro olho que você deveria manter longe apenas das aparências. Porém todos os cus morrem, sofrem de solidão, caem entre quatro paredes, se escondem nas esquinas das ruas, na viela das cidades estranhas. O cu é também a sensação cósmica do ser. O cu é uma sensação cósmica, é prova de afeto e aceitação sem sobrancelhas franzidas. Ontem, por exemplo, tive um momento epifânico enquanto eu imaginava o cu da humanidade. Eu e a existência. Eu e o cu da existência. O cu é ousadia. É viajar para a América Central num ônibus caindo aos pedaços. Todos nós caímos aos pedaços, uns percebem, uns são descontentes e provocam aquela torta de climão. Torta de climão sabor cu. Sobremesa na imensidão que condena condena condena. Morde e arranca o pedaço arranca o pedaço arranca o pedaço, pois as leis gramaticais não têm cu; elas são peixes num aquário raso. Você é um peixe raso e todos os teus poros são cus em potencial. O cu que tudo pressente como num suspense italiano. Mas eu não me envergonho e eu apenas me deixo ser, sem qualquer explicação sobre os motivos que me levaram a tentar entender o cu em plena tarde de sábado onde eu deveria estar num churrasco, tomando cerveja, fingindo paz e amor e com um ódio mortal em formato de cu tatuado na testa. Não me envergonho, pois o meu cu também é rota de diamantes, paisagens e hemisférios. 

13.10.13

ALÔ, HOFFMAN?


sons de carros bufando seus gases, rumores tóxicos, notas musicais da regra animália enquanto indivíduos; & nós, os fracos, sim – transpiramos a tal vontadezinha de esplendor que nos alimenta enquanto ensaiamos um ai em prazer omisso, sempre omisso.
deixo você me morder por inteiro durante o meu breakfast da boa conduta. decoro meus lábios & cílios num tango argentino de mero desesperado – as tuas cartas de amor se extraviam  & desaprendi as regras do ofício como quem se contenta com material pornográfico.
acelero os passos, encurto os corredores, lavo a louça quando é preciso & dou o meu melhor no momento “vamos guardar o arroz na geladeira”. é que ainda sinto uma tensão de fios elétricos quando ele me abandona & descobre novos ares, como se o meu grito, enfim, o organizasse perfeitamente na vida.
sucumbo pela falta de dinheiro & ascensão.
ele, o trágico amor descalço, é um filho insensato que não respeita conselhos de mãe, madrasta, meretriz. & ainda me perguntam sobre as foices do destino. as foices do destino descosturando flores enquanto caio de quatro na calçada.
katherine surgiu com olhos de lebre & desmarcou nosso encontro, pois quis favorecer outras conquistas. roí as unhas até o sabugo numa espécie de ânsia que empalidece as aventuras de uma puta fantasiada de lady. acabei forçando a barra & não permitindo que eles – oh doces inimigos – virassem de costas, amáveis diante do tal palco imaginário, pois sou um trabalhador braçal inserido na multidão de artistas & publicitários de merda.

hoffman telefonou & marcamos jantar. em duas horas estaríamos cara a cara & inundados num silêncio de cão. banquei o herói & fingi inúmeros descontroles emocionais que ele tanto gosta. ele não sabe que os solavancos da vida nos enchem de uma esperança mumificada. a minha liberdade é para ele mera obsessão pelo zodíaco & afins. não puxo assunto enquanto me entupo de um peixe à delícia meia boca. a noite se desfaz sem sucessos & me contento com mais uma cerveja geladíssima.